REPORTAGEM UM RETRATO DA VIDA DE OITO MONJAS DE CLAUSURA NO COUÇO
São irmãs de clausura. Vivem para a liturgia, para a oração e para o trabalho, entre ele a arte sacra que fazem, como a restante família monástica, espalhada por todo o mundo, de França à Argentina ou a Israel. Há hoje oito monjas, entre a casa dos 20 e a
A meio do caminho de terra, os telemóveis ficam sem rede. Aqui e ali há uma placa que indica o caminho para o Mosteiro de Nossa Senhora do Rosário, na Herdade de Vale Côvo, Couço, concelho de Coruche. E lá está ele. Ao passarmos os muros brancos, avistam-se três homens que trabalham na fundação já visível da segunda fase de construção do mosteiro. Continuamos a subir e há apenas uma Renault 4L estacionada. Alta, é ideal para as Monjas de Belém, da Assunção da Virgem e de São Bruno se movimentarem, quando necessário, ao longo daquela espécie de deserto verdejante para onde se mudaram há quase quatro anos, vindas de Sesimbra.
Há uma pequena capela junto à zona indicada como “Clausura – Entrada reservada às irmãs” e, do outro lado, divisórias separam-nos dos contentores onde vivem algumas delas, visto que a zona de clausura já erigida tem apenas seis ermitérios. Elas são quatro espanholas, três portuguesas, e uma belga. Têm idades compreendidas entre os 20 e os 60 anos. Há ainda a irmã prioresa, que vive entre este mosteiro e outro em Espanha.
Não se ouve absolutamente nada, até que duas delas aparecem, na casa dos 30 anos, vestidas nos seus hábitos brancos, de capuz sobre a cabeça, já coberta por um véu azul. Preso ao hábito está um rosário feito de lã branca, típico do Oriente – de onde vêm os primeiros monges – cuja sabedoria rege muito a forma de vida desta ordem fundada, em 1950, em Roma, quando da proclamação do papa Pio XII do dogma da Assunção daVirgem. A primeira formação surgiria no ano seguinte, em França. Hoje existem 28 mosteiros em todo o mundo (além daquele que está a ser construído no México), a maioria deles em França, mas também em Israel, Argentina, Lituânia, Canadá, ou Polónia.
Estas que aparecem são as duas irmãs atualmente encarregadas pelo acolhimento no mosteiro. Às restantes, irmãs de solidão, só as veríamos ao cair da noite, na oração de Vésperas, dentro da capela, depois de o sino soar. Tratamo-las pelos nomes que se tornaram seus quando fizeram votos – e que tentam não repetir nas cerca de 700 pessoas que constituem a família monástica –, mas preferem não ser identificadas nem por esse. Tal como não querem que os seus
rostos apareçam nas fotografias, explicando que lhes parece que, sem os mostrar, as fotografias são mais representativas de quem são.
São irmãs de clausura. Não veem televisão, nem ouvem rádio nem consultam a internet. “Recebemos alguns jornais ao domingo, para estarmos minimamente informadas do que se passa no mundo, na Igreja, no país”, diz a irmã Maria (nome fictício). “Um monge dizia que há quem tenha o carisma e a missão de falar de Deus aos homens, os monges têm a missão de falar dos homens a Deus. A nossa forma de participar no mundo é a oração. Da oração comunitária [entre as monjas] faz parte uma oração de intercessão forte, todos os dias, concreta, pelo mundo e pelos homens”, continua.
Perguntamos se não há nelas a impotência de um espectador perante o mundo. Sorriem uma para a outra. “Nós vivemos nesta certeza de que Deus é amor. E ao mesmo tempo na certeza de que o mundo passa por tempos de grande sofrimento. A nossa missão é a oração e a oferenda da nossa vida, do nosso trabalho, do nosso cansaço, e a compaixão: ter no nosso coração todos os que sofrem. Claro que nos sentimos chocadas…” Isabel (também nome fictício) completa: “Claro. A quantidade de pedidos de oração que temos por doenças é impressionante.”
Estão longe de se verem como espectadoras passivas: iam tornando-o cada vez mais claro à medida que a tarde avançava. Não que sentissem a necessidade de o fazer. Se assim fosse, não teria sido precisa uma primeira visita ao mosteiro, para combinar a possibilidade de uma reportagem, resposta pela qual seria preciso esperar. Mas ali estávamos. A certa altura, a irmã Maria lançaria: “É verdade que nós somos irmãs de clausura e não recebemos o carisma de falar aos homens de Deus. O nosso testemunho principal passa pela nossa vida que diz: Deus é. A partir do momento em que há mulheres e homens que deixam tudo para viver a vida toda num mosteiro e aprofundar cada vez mais a sua relação com o Senhor, então a nossa a vida é um grito silencioso que diz: Deus é.” Trabalho e arte sacra: traves mestras As duas irmãs conduzem-nos a uma pequena sala, onde a primeira mostra o ofício que é um dos seus mais fortes traços característicos para o mundo exterior: arte sacra. O ateliê está a fazer as vezes de armazém, justificam; já que, embora ali vivam desde 2013, a maioria das instalações ainda é provisória. A segunda fase de construção começou em fevereiro: estrutura que permitirá acolher visitantes, as suas próprias famílias, que as podem visitar uma semana por ano, e quem queira ali fazer retiros. Seguir-se-á a construção de uma igreja e a conclusão do espaço dedicado às irmãs. Por agora, à capela e às seis celas acrescem apenas um refeitório e uma cozinha.
Na pequena sala, Maria, encimada por um ícone daVirgem e do Menino Jesus, trabalha. Pinta a moldura de madeira de um ícone, imagem que as irmãs portuguesas imprimem em seda, e que depois emolduram. De seguida, mostra como decoram os círios pascais, trabalhando o estanho, depois aplicado neles em pequenas faixas com cruzes, por exemplo. Fazem ainda terços, pagelas, pequenas bolsas, compotas. Tudo é feito em oração.
As obras das irmãs portuguesas juntam-se assim às do mundo inteiro: às peças de âmbar feitas na Lituânia, às imagens de madeira e dolomite das irmãs francesas, ou às sandálias e ao incenso feitos pelos irmãos também de França, um dos três mosteiros de homens da Ordem, todos fora de Portugal, e onde atualmente há um jovem português a começar o seu percurso, além de um monge luso-francês. Quanto às irmãs portuguesas, estão também em mosteiros de França e Espanha e constituem um grupo “que não chega a dez irmãs”, adianta a irmã Maria.
Vindas de todo o mundo, as peças estão à venda na loja Artes do Mosteiro, que existe em Lisboa e Fátima (ver entrevista), equiparada pela exclusividade de peças das Monjas de Belém apenas às que existem em Paris e em Lourdes. “É o nosso ganha-pão”, diz Isabel acerca do artesanato. Cobre “os gastos de gasóleo, de luz, saúde… Mas para a construção do mosteiro não chega, contamos sobretudo com os donativos. Os dois grandes ateliês da nossa família são de madeira e dolomite, mas não estão ligados [exclusivamente] a nenhum mosteiro. São um pouco o sustento de toda a família, ajudam sobretudo os mosteiros que estão em países mais pobres, que têm menos ajuda diária para a sua vida.” Um mosteiro num lugar comunista O terreno foi-lhes oferecido por um particular. Vindas de Sesimbra, onde durante anos tentaram, sem êxito, obter a autorização para a construção de um mosteiro quase desde que ali chegaram têm recebido ajuda da população dos arredores. Sem que nada lhes fosse pedido, as pessoas organizaram-se em grupos que, rodando ao longo dos meses do ano, levam ao mosteiro os mantimentos de que a comunidade precisa, para que esta não tenha de abandonar o seu deserto. Do Couço, freguesia onde desde 1975 o Partido Comunista ganha as eleições, vão aparecendo cada vez mais pessoas e garantem as monjas, “tem-se desenvolvido uma relação de colaboração e amizade”. Todavia, num restaurante no centro do Couço, o rapaz que serve às mesas não faz ideia de que, a alguns quilómetros, há um mosteiro. “Monjas? Não, nunca ouvi falar.”
“O primeiro contacto aconteceu com os sacerdotes de Mora, do Couço… Aperceberam-se de que nós tínhamos necessidade de uma ajuda concreta, de pintores, carpinteiros, tudo. Fizeram o apelo na sua paróquia e eles foram aparecendo. Do Couço também vêm por curiosidade, porque estamos na sua terra. E de Coruche. Trazem-nos coisas da sua horta”, conta a irmã Isabel. Na primeira vez em que as visitámos, havia carrinhas e cerca de 20 idosos de um centro de dia de Coruche que visitavam o mosteiro. Três mulheres sentadas junto ao contentor onde está instalada a