Diário de Notícias

Trump confia mais na Fox News do que nos briefings dos serviços secretos

Presidente prefere obter informaçõe­s através de media conservado­res e próximos da extrema-direita do que nos briefings dos serviços secretos

- HELENA TECEDEIRO

“Nesta manhã vi o Fox & Friends, eu costumo ver [o programa] – gosto daquele grupo de três pessoas.” Em entrevista a Tucker Carlson, transmitid­a pela Fox News, Donald Trump voltou, na noite de quinta-feira para ontem, a afirmar-se fã do programa das manhãs daquela estação de televisão, apresentad­o por Steve Doocy, Ainsley Earhardt e Brian Kilmeade. E, se dúvidas houvesse, o presidente, que pouco antes atacara os media tradiciona­is e os jornalista­s que lá trabalham – “são más pessoas, minha gente!” – num comício em Nashville no Tennessee, começou ontem o dia a retuitar duas notícias do Fox & Friends, uma sobre a reforma da saúde e outra sobre jihadistas que usam vistos religiosos para entrarem nos EUA.

Fox & Friends (Fox e os Amigos, numa tradução literal), Breitbart News, The Mark Levin Show, Drudge Report, são várias os media, todos eles ligados à (extrema-)direita americana e aos meios conservado­res, alguns conhecidos por veicularem teorias da conspiraçã­o, que Donald Trump gosta de citar no Twitter. Segundo a NBC, a rotina do presidente começa por volta das 06.00 e envolve assistir ao Fox & Friends, cujas notícias muitas vezes o levam a escrever no Twitter sobre os acontecime­ntos do dia. Dali, o milionário segue para uma pequena sala naWestWing onde lê os jornais. The NewYork Times, The Wall Street Journal, The Financial Times, The Washington Post, mas também o tabloide The New York Post, um dos favoritos de Trump, são postos à sua disposição. Tal como uma pilha de impressões dos sites conservado­res que o presidente usa como principais fontes de informação, incluindo o Breitbart News, próximo da extrema-direita e cofundado pelo agora estratega principal da Casa Branca, Steve Bannon.

“O presidente pode usar estas fontes para o seu próprio entretenim­ento, mas não são o que se espera que um presidente use como base para tomar decisões políticas importante­s”, explica ao DN Tobe Berkovitz. Para o professor de Comunicaçã­o da Universida­de de Boston, “os media conservado­res fornecem uma forma de o presidente se ligar com a sua base”, mas, para “tomar decisões sobre questões de segurança nacional e de política externa, o presidente tem de se basear em relatórios dos serviços secretos e em informaçõe­s fornecidas por fontes do Congresso”.

Ora, isso pode não estar a acontecer. Na sua primeira semana na Casa Branca, o The Washington Post noticiava que o presidente ainda só tinha tido dois briefings com os serviços secretos para receber informaçõe­s classifica­das. Inquirida na CNN sobre este facto, a conselheir­a presidenci­al Kellyanne Conway não o desmentiu, referindo antes que Trump recebia informação suficiente através dos telefonema­s com líderes mundiais.

Sem qualquer experiênci­a política antes de ser eleito presidente, tem-se envolvido numa guerra de palavras com algumas agências secretas, sobretudo a CIA e o FBI, devido às fugas para a imprensa sobre a investigaç­ão ao alegado envolvimen­to russo na campanha presidenci­al americana. “O FBI é totalmente incapaz de parar as fugas que têm afetado o nosso governo há muito. Nem sequer consegue encontrar a fuga dentro do próprio FBI”, escreveu no Twitter em finais de fevereiro.

Mas, se os serviços secretos estão na mira de Trump, o seu verdadeiro ódio de estimação são os “media falsos”. Alvos frequentes de tweets irados do presidente são a CNN e o The New York Times. Mas a NBC, a CBS ou o The Washington Acusado de ser próximo da extrema-direita e de veicular ideias racistas e xenófobas, o Breitbart News é um dos sites que Trump segue. Até escolheu o seu cofundador, Steve Bannon, para estratega principal da Casa Branca Post também já foram acusados de veicular “falsas notícias”, as “fake news” que Trump denuncia. “O presidente ataca os media tradiciona­is em resposta ao fluxo constante de notícias e artigos de opinião negativos para ele e para a sua administra­ção”, explica Tobe Berkovitz. Consultor político desde 1974, o académico conhece bem a relação entre políticos e media e recorda que “os presidente­s anteriores reagiram aos media de formas muito diversas mas nenhum foi tão agressivo como Trump”. Mesmo se “[Richard] Nixon atacou os media” e “Clinton e Hillary os definiram como sendo “uma vasta conspiraçã­o de direita”.

Ávido utilizador do Twitter – um artigo da NBC retrata-o a vaguear pela Casa Branca, de telemóvel na mão, pronto a retuitar os seus programas ou sites favoritos ou a denunciar as fake news. A verdade é que, com mais de 26 milhões de seguidores no Twitter, Trump parece precisar muito pouco dos media para passar as suas ideias. “Obama também não precisava, mas os media adoravam-no”, lembra Berkovitz antes de acrescenta­r que “Trump vai mais longe”. E remata: “O senso comum falhou sempre na avaliação de Trump. Talvez ele continue a desafiar a gravidade.”

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