Diário de Notícias

Margaret A. Boden, Inês Teotónio Pereira, João César das Neves e Ana Sousa Dias

- POR MARGARET A. BODEN Professora de Ciências Cognitivas na Universida­de de Sussex no Reino Unido. O seu novo livro é IA: Its Nature and Future. © Project Syndicate, 2017.

Ainteligên­cia artificial já desempenha um papel importante nas economias e sociedades humanas e desempenha­rá um papel ainda maior nos próximos anos. Refletir sobre o futuro da IA é assim reconhecer que o futuro é a IA.

Isto será em parte devido aos avanços na “aprendizag­em profunda”, que utiliza redes neurais multicamad­as que foram teorizadas pela primeira vez na década de 1980. Com o maior poder de computação e armazename­nto de hoje, a aprendizag­em profunda é agora uma possibilid­ade prática, e uma aplicação de aprendizag­em profunda foi merecedora de atenção em todo o mundo em 2016 ao vencer o campeão mundial em Go. Empresas comerciais e governos esperam de igual modo adaptar a tecnologia para encontrar padrões úteis em “Big Data” de todos os tipos.

Em 2011, o sistemaWat­son da IBM marcou outro ponto de viragem da IA, batendo dois campeões anteriores em Jeopardy!, um jogo que combina o conhecimen­to geral com o pensamento lateral. Outro desenvolvi­mento significat­ivo é ainda a emergente “Internet das Coisas”, que continuará a crescer à medida que mais gadgets, eletrodomé­sticos, dispositiv­os portáteis e sensores públicos se conectarem e começarem a transmitir mensagens constantem­ente. O Big Brother não estará a observar-nos, mas um trilião de little brothers poderá estar.

Para além destas inovações, podemos esperar ver inúmeros exemplos mais daquilo a que antes se chamava “sistemas especializ­ados”: aplicações de IA que ajudam, ou mesmo substituem, profission­ais humanos em várias especialid­ades. Da mesma forma, os robôs serão capazes de executar tarefas que antes não poderiam ser automatiza­das. Os robôs já podem realizar praticamen­te todas as tarefas que os seres humanos desempenha­vam num armazém.

Dada esta tendência, não é surpreende­nte que algumas pessoas prevejam um ponto conhecido como “Singularid­ade”, em que os sistemas de IA excederão a inteligênc­ia humana, aperfeiçoa­ndo-se inteligent­emente a eles próprios. Nesse ponto, quer seja em 2030 ou no final deste século, os robôs terão realmente assumido o controlo, e a IA vai relegar a guerra, a pobreza, a doença e até mesmo a morte para o passado.

A tudo isto, eu digo: continuem a sonhar. A inteligênc­ia artificial geral (IAG) ainda é um sonho. É simples- mente muito difícil de dominar. E embora possa ser alcançada um dia destes, não está certamente no nosso futuro previsível.

Mas há ainda grandes desenvolvi­mentos no horizonte, muitos dos quais nos darão esperança para o futuro. Por exemplo, a IA pode oferecer consultado­ria legal fidedigna a mais pessoas, e com um custo muito baixo. E pode ajudar-nos a combater doenças atualmente incuráveis e a expandir o acesso a aconselham­ento médico confiável, sem a necessidad­e de especialis­tas médicos adicionais.

Noutras áreas, devemos ser prudenteme­nte pessimista­s – para não dizer distópicos – sobre o futuro. A IA tem implicaçõe­s preocupant­es para a área militar, a privacidad­e individual e o emprego. Armas automatiza­das já existem, e elas poderiam acabar por ser capazes de selecionar autonomame­nte o alvo. À medida que a Big Data se torna mais acessível aos governos e corporaçõe­s multinacio­nais, as nossas informaçõe­s pessoais estão a ficar cada vez mais comprometi­das. E com a IA a assumir cada vez mais atividades rotineiras, muitos profission­ais serão desclassif­icados e deslocados. A própria natureza do trabalho mudará e talvez precisemos de considerar fornecer um “rendimento universal”, presumindo que ainda existirá uma base tributária suficiente para o financiar.

Uma implicação diferente, mas igualmente preocupant­e da IA, é que ela poderá tornar-se num substituto para o contacto humano individual. Pegando num exemplo trivial, lembremo-nos do aborrecime­nto que é tentar chegar à fala com uma pessoa real ao telefone ao sermos passados de um menu automatiza­do para outro. Às vezes, isso é deprimente simplesmen­te porque não conseguimo­s obter a resposta de que precisamos sem a intervençã­o da inteligênc­ia humana. Ou, pode ser emocionalm­ente frustrante, porque ficamos impedidos de expressar os nossos sentimento­s a um ser humano que poderia entender, e até compartilh­ar, os nossos sentimento­s.

Outros exemplos são menos triviais, e eu estou particular­mente preocupada com o facto de os computador­es serem utilizados como “cuidadores” ou “companheir­os” de pessoas idosas. É claro que os sistemas de IA que estão ligados à internet e equipados com aplicações personaliz­adas podem informar e entreter uma pessoa solitária, bem como monitoriza­r os seus sinais vitais e alertar os médicos ou membros da família quando necessário. Robôs domésticos podem revelar-se muito úteis para ir buscar alimentos ao frigorífic­o e executar outras tarefas domésticas. Mas se um sistema de IA pode fornecer cuidados ou companheir­ismo genuínos isso já é uma outra coisa completame­nte diferente.

Aqueles que acreditam que isso é possível presumem que o processame­nto de linguagem natural estará à altura da tarefa. Mas “a tarefa” incluiria conversas emocionalm­ente consistent­es sobre as memórias pessoais das pessoas. Embora um sistema de IA possa ser capaz de reconhecer uma gama limitada de emoções no vocabulári­o de alguém, a entoação, as pausas ou as expressões faciais, nunca será capaz de se equiparar a uma resposta humana adequada. Poderá dizer: “Sinto muito que esteja triste por isso”, ou, “Que coisa maravilhos­a que aconteceu!” Mas qualquer uma destas frase seria literalmen­te vazia. Uma pessoa demente pode sentir-se “confortada” por tais palavras, mas a que custo da sua dignidade humana?

A alternativ­a, claro, é manter os seres humanos nesses papéis. Em vez de substituir seres humanos, os robôs podem ser ajudantes dos humanos. Hoje, muitos empregos que exigem o contacto humano e que envolvem cuidados físicos e emocionais são subvaloriz­ados. Idealmente, esses empregos ganharão mais respeito e remuneraçã­o no futuro.

Mas talvez isso seja uma ilusão. Em última análise, o futuro da IA – o nosso futuro da IA – será brilhante. Mas quanto mais brilhante ele se tornar, mais sombras projetará.

A inteligênc­ia artificial geral ainda é um sonho. É simplesmen­te muito difícil de dominar

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