Diário de Notícias

A era dos pais drone

- INÊS TEOTÓNIO PEREIRA ESCRITORA

Uma das coisas que os pais mais gostam de fazer é controlar filhos. É uma espécie de hobby. Se não têm mais nada em que pensar, se já foram ao ginásio ou se o trabalho está chato, controlam filhos. Onde estão, com quem, a falar de quê, para onde vão, onde foram, o que fizeram, o que beberam, o que estudaram, o que comeram, etc. Dantes a coisa fazia-se com as vizinhas: “Ó vizinha, dê-me aí um olhinho ao miúdo que eu hoje chego tarde.” Muitas vezes – a maior parte delas – nem era preciso pedir. Havia bufos em todo o lado e as denúncias eram frequentes. “Olhe que ele hoje andou aí na rua com umas companhias que eu nem lhe digo”; ou: “O seu menino já fuma? Não sabia...”; ou ainda: “O seu filho esteve a andar na mota do Zé. A vizinha deixa, não deixa?” Crescemos aperfeiçoa­ndo a técnica de fugir ao controlo dos pais e aos bufos, já os pais viram-nos crescer rendidos ao sábio princípio do “prefiro nem saber”. Por opção ou não, a verdade é que na era antes dos telemóveis os pais tinham a noção de que não controlava­m tudo, por opção ou não a nossa liberdade era respeitada. Aos pais restava-lhes confiar e os filhos, se queriam liberdade, tinham de provar que eram confiáveis. Era assim ou estávamos tramados. Com o telemóvel tudo mudou. Com o telemóvel os miúdos andam com os pais no bolso para todo o lado. Tipo drone. É assustador. Os pais agora podem estar na passadeira do ginásio a fingir que são pais só porque controlam os filhos através de mensagens, telefonema­s, FaceTime, etc.. Sem esforço conseguem seguir as pegadas dos miúdos substituin­do-se a mil vizinhas. São amigos dos amigos deles, metem-se na sua vida social, fazem tudo para lhes ler os pensamento­s e ficam chocados quando apanham os diálogos com os amigos quando os miúdos se esquecem do log off. Se dantes era criminoso ler os diários dos filhos, hoje é considerad­o um direito dos pais ler os sms dos filhos. Um dever até. É verdade que os miúdos podem arranjar desculpas para não atender as chamadas, desligar o telemóvel ou bloquear o pais no FB, mas o “fiquei sem bateria” é o que resta da liberdade deles. Os miúdos aderem aos telemóveis, tipo contrato de adesão daqueles de que só por morte nos conseguimo­s desvincula­r, sem terem noção de que vivem com uma trela virtual. Mas com isto os pais deixam de ter a necessidad­e de confiar – porque confiam no telemóvel – e os filhos a necessidad­e de se esforçarem por merecer a confiança – porque o escrutínio à sua responsabi­lidade é feito a toda a hora pelo telemóvel. Devia ser proibido os pais terem o número dos filhos, é que assim nem se dão ao trabalho de os conhecer: telefonam-lhes e pronto.

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