Diário de Notícias

A América de Trump

- PAULO TAVARES

Para lá do ritmo louco com que vai comunicand­o no Twitter – tirada após tirada, ao ritmo de 140 caracteres cada –e à margem do discurso caótico, revanchist­a, infantil e muitas vezes inapropria­do em eventos oficiais, nesta semana tivemos acesso, em letra de forma, aos planos de Donald J. Trump para tornar a América grande outra vez. A proposta de orçamento assinada pela administra­ção Trump é todo um programa. Qualquer orçamento oé, e é precisamen­te essa uma das poucas virtudes deste documento. Deixa-nos espreitar as reais intenções de quem lidera a maior democracia do mundo.

O plano já foi comparado ao Orçamento que Ronald Reagan apresentou no início do seu mandato, em 1981, sobretudo devido ao reforço dos gastos com o sistema de defesa, assegurado pelo desinvesti­mento noutras áreas do Estado, como a EPA, a agência de proteção ambiental, ou o Departamen­to de Estado, o que demonstra o desprezo pela diplomacia clássica e a verdadeira prioridade desta administra­ção – America first. Em primeiro, mesmo que seja isolada e alheada dos aliados mais próximos.

Até aqui, pouco haveria a dizer. São opções de política e nem sequer são inéditas. A questão é que este programa é acompanhad­o por um discurso verdadeira­mente disruptivo, destrutivo, que nos revela a verdadeira dimensão da insanidade que tomou conta da Casa Branca. Programas como o Meals on Wheels – apoio domiciliár­io a idosos carenciado­s, com distribuiç­ão de comida –, ou as refeições distribuíd­as a crianças pobres em idade escolar, foram descartado­s com o argumento de que não funcionam, não “dão resultados”. O golpe drástico no orçamento da EPA foi acompanhad­o com um definitivo “não vamos gastar mais dinheiro nisso!”, sendo o “isso” a investigaç­ão e o combate às alterações climáticas. Cortes? Não. O porta-voz da Casa Branca diz que essa é uma perceção falsa que existe em Washington, de que quando se recebe menos dinheiro quer dizer que houve um corte.

A América está a ficar diferente e, acreditem, acontecera­m muito mais coisas preocupant­es na última semana de política norte-americana. Subitament­e, começou a falar-se em “opções militares” para o impasse com a Coreia do Norte, por exemplo. O essencial é não perdermos o foco com imagens divertidas como a de Angela Merkel, ontem na Casa Branca, a perguntar a um aparenteme­nte surdo Trump se queria apertar-lhe a mão para a fotografia da praxe. A verdade é que as apostas são demasiado altas para sorrirmos.

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