O que a Liga deve fazer (parte I)
Para termos uma Liga realmente mais competitiva temos de ter uma Liga em que existam mais do que os três clubes grandes
Aperda de uma vaga na Liga dos Campeões por parte dos clubes portugueses já fez mexer a Liga. Pedro Proença, presidente do organismo que tutela a competição profissional em Portugal, deu o primeiro passo, ao admitir o problema, e disse não só que quer “encontrar soluções” como que quer ver a Liga portuguesa “no top 5 das Ligas europeias”. E, se o primeiro objetivo me parece relativamente fácil de assumir – assim haja vontade… –, para encarar o segundo já temos um atraso tão significativo que dificilmente o poderemos encarar no curto ou médio prazo. Mas cada coisa a seu tempo. Para já, era urgente que a Liga se centrasse em três áreas de atuação: o plano competitivo, o plano da comunicação e, resultado do sucesso nos dois primeiros, o plano do negócio.
Não sou dos que acham que para a Liga ser competitiva seja necessário reduzir o número de clubes na divisão de topo. Se olharmos para as cinco principais Ligas da Europa, todas têm pelo menos 18 participantes. Têm mais jogadores, um universo maior?Verdade. Mas o número de clubes não é um fator decisivo na competitividade. Nenhuma dessas cinco Ligas tem a luta pelo título tão apertada como a portuguesa: a diferença entre Benfica e FC Porto era, à entrada para a jornada deste fim de semana, de um ponto, contra os dois que separam Real Madrid e Barcelona (e em Espanha o líder tem um jogo a menos) ou os três que dista o PSG do Mónaco. Em Inglaterra e na Alemanha as diferenças são de dez pontos e em Itália são de 12. E se formos comparar com uma realidade de uma Liga com menos clubes, como a escocesa, o que vemos é o Aberdeen a 25 pontos do Celtic. Aliás, aos que depois argumentam que a diferença deve ser feita para os não candidatos ao título, a resposta também é simples: a diferença do primeiro ao sexto não é muito maior em Portugal (26 pontos) do que na Alemanha (24) ou em França (25). Na Escócia, o dito paraíso do campeonato reduzido, é de 47 pontos em 28 jornadas. Abissal, portanto.
Ter mais clubes na I Liga não significa diminuir a competitividade. Significa, pelo contrário, dar a mais clubes – a mais jogadores, a mais treinadores, a mais adeptos – a hipótese de competir ao mais alto nível e, portanto, de crescer competitivamente. A competitividade aumenta-se, isso sim, quando lhes dermos condições para competir verdadeiramente. E aqui a questão começa a ser política e já exige alguma coragem que até ver não se viu a nenhum dirigente máximo do futebol em Portugal. Para termos uma Liga verdadeiramente competitiva temos de ter uma Liga em que existam mais do que os três grandes. E Portugal, neste particular, está particularmente inquinado. Basta ver o regozijo que os adeptos de cada um dos clubes assumiram assim que o rival foi afastado da Europa. Ou reparar que, assim que se começou a debater a perda de uma vaga na Champions, tudo o que a generalidade dos adeptos quis discutir foi que clube estava a dar mais ou menos pontos para o bolo geral. A questão é que isso é absolutamente indiferente: Portugal só terá uma Liga de topo quando houver mais do que três clubes a contribuir de facto para esse bolo. E isso só se consegue quando a Liga – antes seja de quem for – assumir que em Portugal há mais do que três clubes. Como? Na distribuição da receita, por exemplo. Mas não só aí.
A questão da receita é flagrante. Primeiro, é importante deixar algumas perguntas. A Liga acha possível fazer subir o bolo global da receita gerada pela sua atividade? Como? Já fez alguma coisa para centralizar as negociações dos direitos televisivos dos jogos, podendo logo à partida aumentar o bolo e depois distribuí-lo de forma mais igualitária, assumindo como objetivo que passe a haver mercado interno em Portugal, com mais de três players? Já fez alguma coisa para assegurar, junto dos dois últimos governos, que uma das principais fontes de financiamento do futebol – o mercado de apostas – não seja excluída do mercado português? Já fez alguma coisa para garantir que o futebol em Portugal não são três estádios cheios, três meio cheios e 12 às moscas? Já deu algum passo no sentido de promover o espetáculo do qual depende a sua sobrevivência, criando conteúdos mais abrangentes que possam ser atraentes para os operadores e para os telespectadores e que dessa forma substituam o insulto à inteligência de quem gosta de futebol que são os programas que gastam horas a discutir os centímetros de um fora-de-jogo ou a intensidade de um toque nas costas? Não, pois não? Pode começar por aqui. Mas para a semana que vem voltarei ao tema.