Redescobrir Rodin, o artista das esculturas em carne viva
Para assinalar o centenário da morte do pai da escultura moderna, o Museu Rodin e o Grand Palais associaram-se e propõem uma mostra que renova o olhar sobre a sua obra
MARINA MARQUES “Nesta exposição apresentamos cerca de 200 obras de Rodin provenientes do mundo inteiro. São apresentadas numerosas peças de gesso, o que é novo, e o confronto com obras de outros artistas renova o olhar sobre o trabalho do escultor.” É desta forma que as curadoras de Rodin – A Exposição do Centenário resumem ao DN, através de e-mail, a mais-valia desta mostra, que a partir de quarta-feira assinala o centenário da morte daquele que é considerado o pai da escultura moderna.
Lisboa é um dos locais de proveniência das obras de Rodin, que até 31 de julho podem ser vistas no Grand Palais. Com o empréstimo de As Bênçãos, um mármore anterior a 1894, a Fundação Calouste Gulbenkian junta-se à lista de mais de 20 instituições que emprestaram obras do artista francês, nascido a 12 de novembro de 1840, na Rue d’Ardos balète, a cerca de 3,5 quilómetros do Hotel Biron, onde desde 1919 está instalado o Museu Rodin, local onde o artista, que doou os seus trabalhos e as suas coleções ao Estado francês, se instalou em 1908.
Quatro obras emblemáticas recebem o visitante na primeira sala da galeria de exposições temporárias do Grand Palais: O Homem de Nariz Quebrado (1875), considerado pelo próprio Rodin a sua “primeira boa escultura”, uma cópia moderna de Os Burgueses de Calais (1889-2005), O Pensador (1904) e A Idade de Bronze (1877). Esta última, apresentada pela primeira vez no Salão dos Artistas em 1877, esteve na origem do reconhecimento que Rodin acabou por conseguir, ainda em vida. O realismo desde jovem de 1,80 metros era tal, que o artista foi acusado de ter feito um molde de tamanho natural do modelo. Rodin, que após formação em desenho na chamada Petite École viu por três vezes chumbada a sua entrada na Escola de Belas-Artes de O primeiro núcleo da exposição mostra o expressionismo de Rodin em todo o seu esplendor Paris na secção de escultura, batalhou durante três anos para provar que isso não era verdade, fazendo inúmeras demonstrações do seu método de trabalho.
Ora, essa é uma das dimensões da obra de Auguste Rodin que as curadoras, Catherine Chevillot (diretora do Museu Rodin) e Antoinette Le Normand-Romain (conservadora geral honorária do património) colocam em evidência nesta mostra. “O processo criativo de Rodin é muito específico: ele acumula formas, que vai trabalhando durante anos. Nesta exposição contamos várias vezes ‘a história de uma forma’ que depois de ser dissecada, recomposta, adicionada, subtraída, remontada, é incluída em várias composições de Rodin. E nesta exposição descobrimos este talento do artista para quem a obra nunca estava terminada.”
Casos como O Pensador ou O Beijo são disso exemplo. Universalmente conhecidas, ambas as esculturas começaram por ser estu- para As Portas do Inferno, uma encomenda do Estado francês ao artista, em 1880, para a porta do futuro Museu de Artes Decorativas de Paris. Um trabalho que Rodin nunca terminou, mas que alimentou muitas das obras que fez ao longo da carreira. Influência até aos dias de hoje Organizada em três núcleos, a exposição começa por mostrar um Rodin expressionista, colocando depois em evidência o carácter experimentalista do seu processo criativo e terminando pela influência que teve nas gerações seguintes de artistas, “uma onda de choque” que chega aos nossos dias.
“Uma das grandes características da escultura de Rodin é a sua veia expressiva. Logo na época, dizia-se que era o artista que tinha dado vida à escultura ao exprimir as suas paixões. Artistas como Bourdelle [1861-1929], Mestrovic [1883-1962], Georg Kolbe [1877-1947] estiveram sobre a sua influência direta. Depois, com as novas gerações, foram os marcos definidos por Rodin na conceção da escultura moderna a servir de referência aos artistas, como é o caso de Albert Giacometti [1901-1966] ou Brancusi [1876-1957].”
Exemplo concreto, e que pode ser visto nesta exposição, “é o caso de O Homem Que Caminha, de Rodin, verdadeira figura da arte do século XX, que será retomada por Giacometti e até por Thomas Houseago [n. 1972]”.
Muitos dos gessos mostrados no segundo núcleo, quase todos das reservas do Museu Rodin, “são inéditos”, referem as comissárias. No entanto, reconhecem, são de menores dimensões do que A Absolvição, que desde a semana passada pode ser vista no Museu Rodin, integrada na exposição Kiefer-Rodin, que coloca em diálogo a obra do pintor alemão (n. 1945) e do escultor francês. Catherine Chevillot e Antoinette Le Normand-Romain destacam ainda as composições de mulheres dentro de vasos, que só há pouco tempo foram mostradas no Museu Rodin e que, defendem, “são uma verdadeira descoberta para o público”.
Confessando-se “muito contentes” com esta exposição, as comissárias não resistem e lançam um convite: “Alguns bronzes de Rodin são ainda mais belos quando vistos no jardim do Museu Rodin.” E o bilhete da exposição até dá direito a desconto no museu... RODIN – A EXPOSIÇÃO DO CENTENÁRIO