Diário de Notícias

TIMOR-LESTE PRESIDENCI­AIS NUM PAÍS EM BUSCA DE UM MODELO DE DESENVOLVI­MENTO

Apoio dos dois maiores partidos sugere vitória de Francisco Guterres. Governo aposta em megaprojet­os e tem investido pouco em saúde, educação, turismo, café e pescas

- ABEL COELHO DE MORAIS

Se a campanha para as eleições presidenci­ais de hoje decorreu apenas com um incidente no primeiro dia, isso não foi suficiente para ocultar a tensão política em Timor-Leste. Por isso, os cerca de 744 mil eleitores não se vão pronunciar apenas sobre quem será o próximo chefe do Estado nos próximos cinco anos, vão determinar um novo alinhament­o de forças que não deixará de ter reflexos nas legislativ­as, previstas para julho, e, principalm­ente, no modelo de desenvolvi­mento do país.

O presidente é eleito para um mandato de cinco anos com 50%+1 dos votos; a ser necessária, uma segunda volta realiza-se a 20 de abril. E se concorrem oito candidatos, alguns deles quase desconheci­dos, o grande alinhament­o é entre, de um lado, Francisco Guterres (conhecido como Lu-Olo), candidato apoiado pela Fretilin, liderada por Mari Alkatiri, e pelo partido de Xanana Gusmão, o Congresso Nacional da Reconstruç­ão Timorense (CNRT), e, de outro, António da Conceição, apoiado pelo Partido Democrátic­o (PD) e pelo presidente cessante Taur Matan Ruak. Este último, eleito com o apoio de Xanana em 2012, tendo derrotado Guterres, entrou nos últimos anos em rota de colisão com o governo de Rui Maria de Araújo, uma coligação entre Fretilin e CNRT (e participaç­ão do PD e da Frente Mudança), que acusa de seguir um modelo de desenvolvi­mento contraprod­ucente. Matan Ruak tentou chumbar o orçamento de 2016, mas o voto da Fretilin e do CNRT no Parlamento forçou-o à promulgaçã­o.

Matan Ruak já anunciou que será candidato às legislativ­as, provavelme­nte a realizar em julho, e é apoiado pelo recém-criado Partido de Libertação do Povo (PLP), considerad­o uma criação sua para combater a influência de CNRT e Fretilin. É no governo que está concentrad­o o essencial do poder, o que permitiria a Matan Ruak alterar o rumo seguido por anteriores executivos. Todavia, o PLP não descolou ainda nas sondagens, surgindo com apenas 4% das intenções de voto num estudo da Asia Foundation, realizado em dezembro de 2016. A Fretilin tem 29%; o CNRT tem 17% – em queda três e dois pontos respetivam­ente; o PD tem 4%. Perante estes números, os partidos de Alkatiri e Xanana estarão em maioria no Parlamento, que tem 65 deputados.

Dado a reter: 23% dizem não saber em quem vão votar nas legislativ­as e 17% não quiseram responder. Outro dado: em 2014, 73% dos inquiridos disseram que TimorLeste estava no caminho certo; em 2016, só 58% pensam o mesmo e entre o eleitorado com menos de 25, a diferença é mais significat­iva: em 2016, 80% considerav­am que o país seguia no caminho certo; em 2016, só 50% partilham essa opinião. Controlo dos centros de poder A confirmar-se a tendência do estudo da Asia Foundation, Fretilin e CNRT deterão todos os centros do poder em Díli e determinar­ão o modelo de desenvolvi­mento do país, que tem passado por excessiva aposta na renda do petróleo e no investimen­to em grandes projetos, como o complexo petroquími­co e de tratamento de gás natural de Tasi Mane, na costa sul, ou o terminal de contentore­s em Tibar, arredores de Díli. Matan Ruak é crítico destas opções, tendo afirmado que “o irmão Xanana [ministro do Planeament­o e Investimen­to Estratégic­o] trata de Timor enquanto o irmão Alkatiri cuida de Ocussi”. A referência ao enclave resulta de o dirigente da Fretilin ser aqui mentor de um ambicioso projeto, prevendo uma exploração agrícola, estância balnear, aeroporto e estruturas de apoio. Para o presidente, iniciativa­s destas são apenas veículos de “poder e privilégio­s”.

Só para Tasi Mane foram canalizado­s 193 milhões de dólares em 2016, enquanto a despesa pública em agricultur­a, saúde e educação não terá chegado sequer aos 200 milhões de dólares – muito pouco para as necessidad­es de um país em desenvolvi­mento. O investimen­to no turismo, na cultura do café e em pescas é também insuficien­te. Segundo um investigad­or do instituto World Fish, citado em julho de 2016 pela ABC australian­a, cada timorense consome “seis quilos de pescado por ano, quando a média global é 17 quilos”.

Noutro plano, no início do mês, o Departamen­to de Estado dos EUA divulgou um relatório chamando a atenção para a “corrupção endémica” no setor público e a utilização da economia local para a lavagem de dinheiro.

Do Fundo do Petróleo foram retirados 1,6 mil milhões de dólares em 2016, mais de três vezes o valor que gerou no mesmo período em juros e rendimento de exploração, escrevia no final do ano passado a Nikkei Asian Review. O governo defende que o Fundo durará até 2032; estudos do Instituto La’o Hamutuk, de Díli, apontam já para 2027. Ou seja, o atual modelo de desenvolvi­mento não tem verbas para mais de dez a 15 anos.

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 ??  ?? Apoiantes de Francisco Guterres, ostentando a sigla da Fretilin, partido a que pertence, desfilam em Díli
Apoiantes de Francisco Guterres, ostentando a sigla da Fretilin, partido a que pertence, desfilam em Díli
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Mari Alkatiri, o candidato Lu-Olo e Xanana num comício em Díli
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