Diário de Notícias

WOLFGANG MÜNCHAU, FERNANDA CÂNCIO E GIULIANA MIRANDA

- POR WOLFGANG MÜNCHAU

As informaçõe­s relativas ao debate sobre o brexit são recebidas maioritari­amente sem imparciali­dade. Se se for adepto do brexit é provável que se ignore qualquer informação sobre a saída da UE ser má para a economia, ou que diga que as negociaçõe­s vão ser diabolicam­ente difíceis. Se se for contra a saída insiste-se nos avisos exagerados sobre a desgraça económica. Também se pode dizer que a UE vai negar ao Reino Unido um acordo de saída decente. As pessoas fazem-no porque estão zangadas, ou porque estão ansiosas pelo doce momento da vingança – quando puderem dizer: “Eu avisei.” E ainda há pessoas que esperam – ou temem – que tudo ainda possa ser desfeito. Não pode.

A realidade das grandes batalhas do brexit que aí vêm é que elas serão relativame­nte chatas. Depois da primeira-ministra Theresa May desencadea­r o brexit, o que se espera que aconteça na próxima semana, o Reino Unido estará fora da UE até julho de 2019, o mais tardar, possivelme­nte alguns meses antes. E, contrariam­ente aos avisos que continuo a ouvir, penso que as hipóteses de um acordo de saída ao abrigo do artigo 50.º do Tratado da União Europeia não são assim tão más.

Naturalmen­te, não é muito difícil imaginar um cenário em que um político britânico saia dessas negociaçõe­s a bufar e a resmungar depois de uma provocação. O maior problema será o dinheiro. É sempre. Margaret Thatcher quis o seu dinheiro de volta durante a década de 1980. Durante vários anos, a UE não fez praticamen­te mais nada do que tratar da correção a favor do Reino Unido – ou “desconto”, como lhe chamavam apropriada­mente os alemães. Este foi um conflito extremamen­te agudo. Mas, por fim, eles chegaram a um acordo. Chegam sempre.

A contenda sobre a conta de saída do Reino Unido não deve ser assim tão difícil. Fala-se, sem confirmaçã­o, em cerca de 60 mil milhões de euros. Financeira­mente isto não está na mesma liga que as grandes lutas do passado. O problema sobre a conta de saída é a falta de base jurídica e de precedente­s. Os tratados não abordam o tema; não há um livro de regras.

Os problemas são solucionáv­eis desde que ambas as partes respeitem um princípio simples: o brexit não deve ser uma oportunida­de para a UE ganhar dinheiro rápido nem para o Reino Unido evitar os custos diretos para a União que resultarão da sua decisão.

Embora seja justo que o Reino Unido pague os custos do brexit, não seria justo que a UE extorquiss­e um acréscimo de preço pelo acesso ao mercado. Felizmente, há uma ampla escolha de números entre zero e 60 mil milhões.

Há 18 meses para as duas partes discutirem os detalhes do procedimen­to de saída segundo o artigo 50.º. Isso não vai incluir um acordo comercial, apenas os termos do divórcio. Separadame­nte, a UE e o Reino Unido negociarão um acordo provisório que permanecer­á em vigor até que um pacto comercial final seja negociado e ratificado. O acordo provisório entraria em vigor após a concretiza­ção do brexit.

Seria imprudente prever que tudo correrá bem. Pelo contrário, esta será uma luta tão amarga e dura como qualquer uma das grandes batalhas do passado. O que eu vejo, no entanto, é que ambos os lados têm mais a perder do que a ganhar. E isto é mais importante do que a observação de que o Reino Unido tem relativame­nte mais a perder do que a UE. Isso é verdade, mas não é crítico. Muito mais importante é o facto de o Reino Unido ser uma parte integrante das cadeias de abastecime­nto da indústria automóvel europeia, ainda mais agora, após a venda da Vauxhall e da Opel à Peugeot francesa. A indústria automóvel vai encontrar uma maneira de viver com o brexit. Mas não consegue gerir uma rutura súbita.

Assim, da próxima vez que ouvir alguém a dizer que a UE está numa posição negocial mais forte, lembre-se que quem faz este tipo de declaração não está consciente destas cadeias de abastecime­nto industrial e de outras estreitas ligações entre o Reino Unido e a UE: a cooperação na segurança e na defesa e a coordenaçã­o das políticas económicas a nível do G7 ou dos grupos do G20 das nações mais ricas e mais desenvolvi­das. O Reino Unido não desaparece­rá num passe de magia após o brexit.

Então o que dizer do argumento final – que a UE tem de punir o Reino Unido para desencoraj­ar os outros de sair? Isso é um completo disparate. Não encontro um único país que esteja sequer perto de uma decisão dessas. O país mais isolado na UE é a Polónia, mas o seu eleitorado continua a ser predominan­temente favorável à pertença à União Europeia. Os países nórdicos podem ter perdido o seu antigo entusiasmo pela integração europeia, mas nenhum deles está sequer perto de considerar sair. As eleições holandesas da semana passada acabaram com quaisquer receios, ou esperanças, de uma saída holandesa. Uma saída do euro é outra questão. Mas não há nenhuma lista de países que estejam prestes a deixar a UE. A situação pode mudar se a França votar em Marine Le Pen, mas eu não acho que isso vá acontecer.

Todos os processos políticos são propensos a acidentes. Mas estou com sérias dificuldad­es em identifica­r um único obstáculo insuperáve­l para um acordo. O meu conselho, especialme­nte para os apoiantes da pertença à UE que estão muito zangados, é que respirem fundo, aceitem que o brexit vai acontecer e concentrem-se na maneira de restabelec­er a ligação com a UE após o brexit. Há muita coisa em jogo.

© 2017 The Financial Times Limited

A UE não deve procurar ganhos fáceis nem o Reino Unido esquivar-se aos custos diretos

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