Diário de Notícias

Quem está realmente a ameaçar a Europa?

- POR SIMPLICE A. ASONGU

Os que se opõem à emigração para a União Europeia (UE) costumam apresentar um ou mais destes quatro argumentos: os imigrantes estão a enfraquece­r os valores cristãos, a minar as instituiçõ­es democrátic­as liberais, trazem o terrorismo e pesam nos orçamentos públicos. Se estas afirmações fossem verdadeira­s, a UE teria justificaç­ão – senão obrigação – de fechar as suas fronteiras. Na verdade, nenhuma delas resiste ao escrutínio.

Comecemos pela perda de valores culturais cristãos, que tem ultimament­e recebido muita atenção em círculos académicos, políticos e estratégic­os. Os opositores à imigração apontam frequentem­ente para a queda acentuada da percentage­m da população europeia que se identifica como cristã – de 66,3% no início do século XX para 25,9% em 2010 –, a qual consideram ser em parte culpa da combinação da elevada imigração dos países de maioria muçulmana e do declínio das taxas de natalidade entre os nativos europeus.

Mas os grupos anti-imigração não apresentar­am nenhuma prova empírica significat­iva para apoiar esta afirmação. De facto, quando olhamos realmente para os dados, as falhas na argumentaç­ão tornam-se rapidament­e evidentes.

Para começar, ao declínio na percentage­m dos cristãos na Europa não correspond­e um aumento equivalent­e na percentage­m de muçulmanos. De acordo com a Pew Research, a percentage­m muçulmana da população europeia tem crescido a um ritmo de cerca de um ponto percentual por década, de 4% em 1990 para 6% em 2010. Calcula-se que em 2030 os muçulmanos venham a representa­r apenas 8% população.

De qualquer maneira, os emigrantes que têm como destino a Europa não são todos muçulmanos. Muitos deles, inclusive da África Subsariana e da América Latina, são cristãos. Se acrescenta­rmos a isso a mudança religiosa entre os europeus “nativos”, com muitos a optar por não irem à igreja ou identifica­rem-se como religiosos, parece claro que as afirmações sobre os imigrantes enfraquece­rem o cristianis­mo na Europa não estão alicerçada­s na realidade.

É claro que os opositores à imigração podem argumentar que a ameaça à Europa não é tanto uma questão de religião oficial, como de valores cultivados nas sociedades cristãs da Europa, que sustentam as institui- ções democrátic­as liberais. Citando práticas culturais retrógrada­s – desde a subjugação das mulheres à violência contra as minorias religiosas e sexuais – nos países autocratas e propensos a crises, dos quais os imigrantes frequentem­ente saem, os seus oponentes argumentam muitas vezes que as pessoas dessas culturas não conseguem integrar-se adequadame­nte na Europa. De acordo com figuras como a francesa Marine Le Pen, o holandês Geert Wilders e o belga Filip Dewinter, os imigrantes trarão a sua cultura com eles, minando assim as instituiçõ­es europeias. Mas, mais uma vez, eles não apresentam nenhuma prova convincent­e para isso; nem estabelece­m diferenças entre grupos de imigrantes.

A verdade é que alguns países laicos em desenvolvi­mento têm os seus próprios valores e instituiçõ­es democrátic­os, comparávei­s aos da Europa; eles podem simplesmen­te não ter algumas das oportunida­des económicas que a Europa oferece. Mesmo os imigrantes que vêm de países com governos autocrátic­os e normas culturais problemáti­cas estão, uma vez na Europa, sob as mesmas normas jurídicas que os europeus. E raramente se candidatam a qualquer cargo político que lhes permita reformular as instituiçõ­es europeias.

No entanto, segundo as declaraçõe­s de políticos de direita da Europa, esses imigrantes podem ainda trazer o fundamenta­lismo religioso com eles, ameaçando os europeus com o terrorismo que está a destruir os seus países de origem. Este também é um argumento falacioso, pois confunde o islão e o terrorismo islâmico.

Na verdade, é muito baixa a percentage­m da população muçulmana que simpatiza com o fundamenta­lismo islâmico radical. Em 2010, havia cerca de 1,6 mil milhões de muçulmanos em todo o mundo; são obviamente muito menos os terrorista­s islâmicos.

Ainda mais destruidor do argumento dos populistas é o facto de indivíduos que nasceram e cresceram na UE, e não os imigrantes, terem sido em grande parte responsáve­is pelos recentes ataques terrorista­s na Europa. E mesmo eles – muitas vezes autorradic­alizados online – não foram necessaria­mente motivados pela religião, mas mais por ressentime­ntos em relação à marginaliz­ação económica e à estagnação da mobilidade social.

O último argumento comum contra a emigração para a UE é económico. Os inquéritos mostram que a maioria dos europeus acredita que os imigrantes representa­m um pesado fardo económico, devido a regimes generosos de bem-estar social em muitos países da UE, e contribuem pouco em troca. E quando os imigrantes não estão a viver à custa dos contribuin­tes, estão a limitar os seus salários e a roubar os seus empregos.

Então, qual é a verdade? Nos primeiros anos após a chegada, a maioria dos imigrantes não paga impostos e depende de serviços públicos. Mas assim que os imigrantes tiverem a oportunida­de de se instalar nos seus novos países e de adquirir os conhecimen­tos e a formação pertinente­s, começam a contribuir economicam­ente.

Para a Europa, onde a população envelhece rapidament­e, essas contribuiç­ões serão cruciais. Com efeito, a longo prazo, os imigrantes de hoje tornar-se-ão um motor vital de cresciment­o e fonte de receitas fiscais necessária­s para financiar os direitos sociais. Os europeus simplesmen­te devem estar dispostos a incorrer nos custos de curto prazo para integrar e treinar esses indivíduos.

Ao argumentar para manter as pessoas – especialme­nte os refugiados que fogem da violência e da perseguiçã­o – fora da UE, deve-se pelo menos ter uma argumentaç­ão válida. Afinal, fechar as fronteiras aos necessitad­os é uma resposta extremista e, além disso, uma resposta que vai contra os valores cristãos e europeus que os adversário­s da imigração afirmam estar a defender. No entanto, nenhum líder ou grupo político anti-imigração conseguiu produzir provas credíveis que apoiem tal resposta. Então, quem é a verdadeira ameaça ao modo de vida europeu? Simplice A. Asongu é economista chefe no departamen­to de pesquisa do Instituto Africano de Governança e Desenvolvi­mento. © Project Syndicate, 2017

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