Consenso da esquerda à direita contra declarações do ministro holandês. Luis de Guindos poderá ser o senhor que se segue. Se for, tem o apoio declarado de Lisboa
Como se esperava, as polémicas afirmações do presidente do Eurogrupo, o holandês Jeroen Dijsselbloem, ao jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung (“como social-democrata, considero a solidariedade um valor extremamente importante. Mas também temos obrigações. Não se pode gastar todo o dinheiro em mulheres e álcool e depois pedir ajuda”) dominaram ontem uma parte importante de mais um debate quinzenal com o primeiro-ministro no Parlamento. Revelou-se consenso na matéria e o tom geral do debate foi bastante mais calmo do que os dois anteriores –“arrefecimento” a que não terá sido alheio o facto de, desta vez, o protagonista pelo lado do PSD ter sido o chefe da bancada, Luís Montenegro, e não o chefe do partido, Pedro Passos Coelho.
O PSD, que ainda não tinha falado do assunto, aproveitou para se juntar a todos os outros (começando pelo governo) que já tinham pedido o afastamento de Dijssel- bloem da presidência do órgão da UE que reúne os ministros das Finanças dos países do euro. À margem do debate, o DN confirmou com o primeiro-ministro, António Costa, que o governo vê com bons olhos agora para o lugar do holandês a escolha do ministro das Finanças de Espanha, Luis de Guindos. O facto de não ser da família política socialista – é do PP espanhol, que por sua vez integra a maior força política europeia, o PPE, no qual também estão o PSD e o CDS, bem como a CDU alemã – não é obstáculo na visão do executivo português.
Guindos – que não assume oficialmente a candidatura – foi dos primeiros em Espanha a condenar as palavras do seu homólogo holandês, considerando as suas declarações “infelizes”. “Não me parece que Portugal, Grécia, Chipre ou a Irlanda tenham desperdiçado dinheiro”, disse o ministro espanhol, reforçado a importância da solidariedade. “Eles emprestaram-nos 40 mil milhões de dólares, mas nós emprestamos valores similares a outros países e fazer tais comparações não é ideal”, argumentou.
António Costa anunciou ontem que Portugal apoiará Luis de Guindos para presidente do Eurogrupo
No Parlamento português, o assunto promete continuar a suscitar intervenções inflamadas. O PS leva na sexta-feira a plenário um voto de condenação, em que propõe que a Assembleia da República exija um pedido de “desculpas público” não só ao próprio como também ao governo holandês, que Dijsselbloem (ainda) integra como ministro das Finanças.
Ontem, no debate quinzenal, António Costa salientou que, com personalidades como o holandês à frente do Eurogrupo, “é o euro que está condenado”, procurando assim travar argumentos à esquerda dizendo precisamente o contrário (que Dijsselbloem representa a ortodoxia europeia de defesa da moeda única). No seu entender, o que Dijsselbloem disse é ilustrativo da “ameaça maior à União Europeia: a clivagem de culturas entre Este e Oeste e Norte e Sul.”
A reestruturação da CGD foi o outro grande tema do debate. O Bloco de Esquerda e o PCP fizeram questão de pressionar explicitamente o primeiro-ministro para que este não permita o encerramento de balcões a ponto de haver concelhos atualmente cobertos pela rede do banco público que deixem de o ser. “Em nenhum concelho deixa de haver Caixa”, garantiu o primeiro-ministro. Que reafirmou que a redução dos quadros de pessoal se fará por reformas e rescisões amigáveis e não por despedimentos.
Neste dossiê, Jerónimo de Sousa saiu em ajuda do governo salientando que “alguém a enganar alguém” quando diz que a subscrição obrigacionista que o banco abriu é uma forma sub-reptícia de privatização. “Alguém está a enganar alguém e creio que é Passos Coelho”, acusou então o líder comunista.
Tema também em destaque foi o recente relatório do BCE sugerindo sanções a Portugal por ausência de reformas estruturais. Ao mesmo tempo salientou que amanhã sairão no INE os números finais do défice de 2016, “nunca superior a 2,1%”. Por isso, afirmou, se já era “absurdo” falar em sanções em 2015 (défice de 3,1%, sem o efeito Banif), “mais absurdo é” manter a mesma ameaça quando é de 2,1%.
MIGUEL MARUJO