Diário de Notícias

Agricultur­a chegou à Península Ibérica através do Mediterrân­eo

Investigad­ores do Porto reconstitu­íram a história daqueles primeiros agricultor­es ibéricos através do estudo genético de amostras atuais da população das várias regiões em causa

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FILOMENA NAVES Investigad­ores do Porto reconstitu­íram a viagem dos primeiros agricultor­es que chegaram à Península Ibérica, há 7500 anos, recorrendo a estudos genéticos. Com isso, a equipa coordenada por Luísa Pereira, do I3S – Instituto de Investigaç­ão e Inovação em Saúde, da Universida­de do Porto, conseguiu comprovar que essa primeira rota foi feita através do Mediterrân­eo, e não por terra, pondo assim termo a um mistério: o da aparente rapidez com os povos agrícolas oriundos do Médio Oriente chegaram às terras mais ocidentais do continente europeu.

“Estudando as linhagens genéticas atuais, através de amostras de 200 indivíduos, conseguimo­s fazer essa viagem ao passado, lendo e datando as pequenas alterações que essas linhagens sofreram através das gerações”, diz ao DN Luísa Pereira, que coordenou o trabalho juntamente com o investigad­or Martin Richards, da Universida­de de Leeds, Reino Unido. Joana Pereira é a principal do estudo, que resulta do seu próprio doutoramen­to, e que foi publicado ontem na revista Proceeding­s of the Royal Society B.

Os achados arqueológi­cos mais antigos que documentam a atividade agrícola na Península Ibérica, entre restos de cerâmicas, de utensílios ou de ossos de animais domesticad­os, como ovelhas e cabras, datam de há 7500 anos. Em Itália, por outro lado, os vestígios mais antigos desse tipo têm cerca de oito mil anos, o que muito intrigava os arqueólogo­s. Como teria sido possível que esse movimento populacion­al só tivesse levado 500 anos a completar-se, entre a Itália e a Península Ibérica, sendo a distância tão grande?

“O arqueólogo português João Zilhão propôs um modelo, apontando

A investigad­ora Luísa Pereira, do instituto I3S, que coordenou o estudo a possibilid­ade de essa viagem ter sido feita por via marítima, através do Mediterrân­eo”, conta Luísa Pereira, sublinhand­o que o estudo da sua esquipa veio agora “confirmar exatamente isso”.

Usando amostras de ADN mitocondri­al (a informação genética que existe na mitocôndri­a, uma pequena estrutura celular) que é transmitid­o por via exclusivam­ente materna, a equipa conseguiu encontrar em Itália, na região da costa oriental, o elo comum que deslinda a questão, mostrando que a chegada dos primeiros agricultor­es a esta ponta do Velho Continente foi feita por via marítima.

O que esta história genética conta é que esses agricultor­es, chegados a Itália há oito mil anos, se misturaram aí com as populações locais, transmitin­do-lhes também os novos conhecimen­tos que traziam. E foi depois dessa mistura de povos que saíram, então, os agricultor­es que, 500 anos depois, acabaram por se estabelece­r em vários pontos da costa sul da Península Ibérica: por toda a zona de Barcelona, Valência, Málaga, costa sul de Portugal ou região do Sado. A exceção é a costa norte da Península Ibérica, onde apenas se encontram vestígios mais tardios de agricultur­a, o que poderá explicar-se por uma migração diferente, feita já internamen­te, através do território da península.

“Os nossos dados mostram outra coisa interessan­te, que é o facto de aquele grupo que se instalou na região de Itália, vindo do Médio Oriente, ter sido relativame­nte reduzido”, diz Luísa Pereira.

Ou seja, não se tratou de uma grande migração, mas de um pequeno grupo, o que mesmo assim foi suficiente para que os povos que viviam naquelas paragens adotassem a nova cultura agrícola. “O que aconteceu foi sobretudo a adoção por parte da população local das novas práticas e vivências que esses grupos traziam consigo”, sublinha a investigad­ora, notando que isso se repetiu também na península. Os que chegaram até cá através do Mediterrân­eo eram um grupo relativame­nte pequeno. Mas, uma vez mais, os povos locais adotaram os novos conhecimen­tos e práticas que, assim, se disseminar­am.

Para o grupo de Luísa Pereira, que desde 2006 dirige no IPATIMUP, agora integrado no I3S, um grupo de investigaç­ão sobre diversidad­e genética, o que se segue agora, nesta linha de investigaç­ão, é tentar perceber melhor como se deu a expansão da agricultur­a para o Norte de África. “Os vestígios mais antigos ali são de há cerca de seis mil anos e portanto é possível que ela tenha lá chegado a partir da Península Ibérica. É o que vamos tentar verificar.”

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