Novas pressões sobre Fillon para deixar campanha presidencial
Perante mais revelações sobre possíveis irregularidades e conflitos de interesses do candidato do centro e da direita, socialistas e Emmanuel Macron insistem na sua desistência
ABEL COELHO DE MORAIS Novas pressões faziam-se sentir ontem sobre o candidato do centro e da direita, François Fillon, para que abandone a campanha para as presidenciais francesas de 23 de abril, com o aparecimento de novos dados sobre o caso de alegados empregos fictícios de sua mulher, Penelope, e filhos, a coincidirem com a demissão do ministro do Interior, Bruno Le Roux, que empregou duas filhas menores como assessoras parlamentares durante as férias escolares das jovens.
O presidente socialista François Hollande afirmou que não podem pairar “suspeitas sobre as pessoas que exercem as mais altas funções ou que são candidatos às mais altas responsabilidades”. O seu partido divulgou uma tomada de posição em que, após enunciar “empregos duvidosos” e novas revelações, como “um empréstimo de 50 mil euros não declarado e fatos oferecidos por um amigo”, pede a Fillon que “se retire” em nome da “demo- cracia, da República e da França”.
A campanha do candidato independente e ex-ministro socialista Emmanuel Macron também se pronunciou, com um dos seus apoiantes a declarar que é “mais digno uma pessoa demitir-se quando se é posto em causa (...). Pode ser-se presidente da República quando se atuou como intermediário entre o presidente russo e um empresário, se fez trabalho de lobista?”, disse Eric Halphen. Por seu lado, o próprio Macron, que as sondagens dão como vitorioso na segunda volta das presidenciais, a 7 de maio, comentou o comportamento “responsável” de Le Roux, sem mencionar Fillon, mas referindo-se, obviamente, ao candidato apoiado pelo partido Os Republicanos (LR, na sigla em francês). “Fica também claro, como se ainda fosse necessário, a quem de direito, a imparcialidade da Justiça (...) e, de outro, a existência de espírito de responsabilidade em política.”
A referência a Vladimir Putin resulta de uma notícia de ontem no Le Canard Enchainé – publicação que primeiro divulgou o caso dos alegados empregos fictícios da mulher de Fillon – envolvendo este na preparação de um encontro entre o milionário libanês Fouad Makhzoumi e Vladimir Putin durante o Fórum Internacional de São Petersburgo de 2015. Por esta intermediação, Fillon, atualmente em terceiro nas sondagens para a primeira volta, teria recebido o equivalente a 46 mil euros. Durante o mesmo fórum, o empresário reuniu-se ainda com o então presidente da petrolífera francesa Total, Patrick Pouyanné, antigo diretor de gabinete do agora candidato presidencial quando foi ministro das Telecomunicações, nos anos 90.
Também ontem, o Le Monde escrevia que o âmbito da investigação a Fillon se alargara a possíveis “fraudes agravadas, falsificação de documentos e seu uso”. Segundo o diário francês, materiais apreendidos na Assembleia Nacional sugerem a falsificação de documentos, assinados por Penelope e François Fillon, para justificar os pagamentos realizados na sua qualidade de assessora parlamentar. Um deles seria uma declaração a confirmar que Penelope, que trabalhava na revista Deux Mondes, não faria aqui mais de 30 horas por mês.
Estes dois casos, que a campanha de Fillon e seus advogados desmentem em absoluto, vêm somar-se a outras revelações surgidas neste mês, dando conta de empréstimos não declarados, prendas milionárias em roupa e ligações suspeitas e conflitos de interesses da sociedade de análise estratégica que o candidato dirige, 2F Conseil, e que conta apenas um quadro remunerado, ele próprio.
De acordo com uma disposição da Alta Autoridade para a Transparência da Vida Pública, as declarações de rendimentos de Fillon e dos restantes candidatos foram ontem tornadas públicas, verificando-se que a 2F Conseil foi valorizada por Fillon de 11 518 euros, valor declarado em final de 2016, para 97 888 euros. Por outro lado, uma verba de 50 mil euros que lhe fora emprestada em 2012 e nunca constante nas suas declarações, foi reembolsada a 5 de fevereiro deste ano.
Dos restantes candidatos, a surpresa maior surge no património de Jean-Luc Mélenchon, candidato de esquerda radical apoiado pelos comunistas, que apresenta uma liquidez próxima de um milhão de euros. Só um apartamento de 110 metros quadrados em Paris, na zona privilegiada do 10.º Bairro, vale 837 mil euros. Marine Le Pen, a candidata da extrema-direita, tem ativos um pouco inferiores: 611 832 euros, principalmente em património imobiliário. Macron e o socialista Benoît Hamon apresentam património líquido bem mais modesto.