Miguel Guilherme e Jorge Mourato protagonizam uma comédia que põe a nu corpos e preconceitos. Com encenação de Tiago Rodrigues, estreia hoje no Teatro Villaret, em Lisboa
André Chaves é advogado, usa fato e gravata e é um homem de conduta irrepreensível, casado, fiel, pai de dois filhos. Um dia, acorda na sua sala de estar, completamente nu, ao lado de outro homem, também ele nu. Esse homem é um dos seus empregados e amigo de há anos. Nenhum deles se lembra do que se passou. Como se tivessem sido ambos assolados por uma amnésia total, os dois homens não fazem ideia do que aconteceu e estão a tentar encontrar uma explicação para aquilo quando são surpreendidos pela mulher de André.
É assim que começa a peça Dois Homens Completamente Nus, que se estreia hoje, no Teatro Villaret, em Lisboa, pelas mãos da Força de Produção. A encenação é de Tiago Guedes e as interpretações são de Miguel Guilherme e Jorge MouraEle
André tenta convencer a mulher de que tem uma amante to, com Sandra Faleiro e Susana Blazer. A partir deste momento desconcertante, logo no início, vamos acompanhar a jornada de André para, por um lado, tentar perceber o que se passou, e, por outro, para contrariar a ideia de que possa ser homossexual.
Foi o ator Miguel Guilherme que encontrou o texto, escrito no ano passado pelo dramaturgo francês Sébastien Thiéry. “Assim que li, adorei, achei uma graça enorme”, conta. Porém, apesar de ser uma comédia, uma das coisas que mais o interessou em Dois Homens Completamente Nus foi o facto de ser uma peça que nos põe a pensar: “Também tem qualquer coisa de inquietante, de absurdo, o que a mim me agrada imenso. Não é uma peça sobre a homossexualidade, mas sim sobre a perda e a descoberta da identidade, quem somos na sociedade em que estamos ou na família em que estamos ou na cidade em que estamos. O nosso mundo do dia-a-dia pode ser desequilibrado por alguma coisa que acontece. Como é que reagimos?”
No caso de André, o facto de acordar nu ao lado de outro homem vai levá-lo a tomar algumas atitudes radicais. “Há uma série de equívocos extremamente dramáticos para todas as personagens, por motivos diferentes, que os levam a tentar desesperadamente descobrir a verdade ou a ocultá-la. já está num estado desesperado que prefere que a mulher pense que ele tem uma amante do que pense que ele é homossexual. Na verdade, não faz diferença, embora num determinado mundo burguês, o facto de a trair com um homem possa ser pior porque há um preconceito enorme.”
Para o encenador Tiago Guedes, está é, por todos estes motivos, uma peça que fala da negação, a negação de algo que está dentro de nós. Vemos o André Chaves que se depara com uma situação e recusa-se a acreditar que aquilo seja o que parece, então vai numa jornada a tentar descobrir o que é que se está a passar. Mas é, na verdade, uma jornada pelo seu interior.
“A tal nudez do título é física, mas também é metafórica porque estamos a falar de nos despirmos de todos os conceitos e preconceitos e conseguir viver com o seu próprio interior”, explica. “Não queríamos nada que fosse moralista.” Pelo contrário. A ideia é desconstruir os preconceitos que existem à volta da nudez e das relações. “Há momentos hilariantes e em que nos vamos rir muito, mas há outros momentos em que não, em que vamos a sítios emocionais mais sérios.” DOIS HOMENS COMPLETAMENTE NUS