A estupidez não tem geografia, nem passaporte, nem grupo sanguíneo. Um tipo farta-se de engolir elefantes, é obrigado a aturar imbecis, mas há um limite
como fosse. Não sou territorial em quase nada na vida, exceto no plano amoroso, e sempre julguei que devíamos ser todos assim.
Depois de ler o texto escrito pelo ex-editor da Prospect não mudei de ideias: continuo convencido de que o mundo seria muito melhor se fosse mais aberto, mais móvel, mais recetivo, embora traçando limites claros como fez o Tribunal Europeu na semana passada: o uso de burka ou de niqab
pode ser proibido pelas empresas, já que refletem valores e princípios que diminuem as mulheres. Isto é válido na Europa, não o tem de ser noutro continente com diferentes costumes. Quem vem de fora tem de aceitar as regras de dentro. Ponto final parágrafo.
Mas não tendo dado uma volta de 180 graus, pelo menos moderei-me nalguns pontos. Por exemplo, é aceitável que um grupo de pessoas que não conte um dia sair do país para trabalhar, que não faça parte deste grupo ainda minoritário de pessoas privilegiadas, em regra licenciadas, que não pode beneficiar pessoalmente desta política de fronteiras abertas na Europa, olhe para a chegada constante de imigrantes ao seu bairro com alguma desconfiança ou até algum medo, o medo de perder o emprego. Se pensarmos bem, estão nessas condições grande parte dos povos europeus. Um inglês da classe média baixa ou do que sobra da classe operária britânica pode ficar legitimamente preocupado com o canalizador polaco ou com o eletricista português, já que competem diretamente com ele.
Para um jornalista até pode ser interessante ter um amigo da Polónia. Ele conta-me histórias que não conheço, mostra-me vinhos que não provei, ideias que não me tinham atravessado a cabeça; mas o facto é que não estamos os dois em concorrência, não disputamos os frutos do capitalismo, e eu tenho, apesar de tudo, um grau de mobilidade profissional e de segurança económica que me permite esta abertura. Ou seja, há quem veja o mundo como “alguém de dentro que aqui ficará” e há os que “não são de lado nenhum”, no sentido em que têm a ganhar com a flexibilidade de movimentos atual na União Europeia – nem que seja para viajar.
Ora bem, as aspirações e as preocupações dos “de dentro”, os que não saem nem vão sair, têm de ser politicamente tidas em conta, escutadas e debatidas sem serem logo engavetadas como racistas ou perigosas. Porque podem não o ser, especialmente quando defendidas de forma instruída. Não é o caso do senhor Dijsselbloem, recém-esmagado nas eleições holandesas. De repente (desesperadamente) deu-lhe para falar ao coração destas pessoas, chamemos-lhe o holandês médio, e o que saiu foi uma enorme grosseria. Os gastos do Sul podem ser debatidos e avaliados, por mais que isso nos custe, como podem ser escrutinados os gastos do Norte, não podem é ser generalizados e tratados assim, boçalmente, como se estivéssemos a viver numa estrebaria.