Diário de Notícias

AUGUSTO SANTOS SILVA

“COM DIJSSELBLO­EM A CONVERSA NÃO É POSSÍVEL”

- PAULO BALDAIA e ARSÉNIO REIS

Esta não foi uma semana fácil para os países do Sul e, em particular, para Portugal. Novamente, a ameaça de sanções, desta vez por sugestão do Banco Central Europeu por alegada falta de reformas, e o presidente do Eurogrupo a sugerir que os países do Sul gastam mal o dinheiro e depois pedem ajuda ao Norte. É uma fatalidade viver nesta Europa, em que se passa o tempo a discutir se a culpa da crise é do Norte ou é do Sul? Não. Em primeiro lugar, não é uma fatalidade nós não podermos usar informação atualizada quando produzimos relatórios. E o caso do relatório produzido no âmbito do BCE é um caso claro disso: informação desatualiz­ada leva a que as recomendaç­ões que se possam fazer sejam, elas próprias, desatualiz­adas. Bastava, aliás, esperar mais uma semana e ver os resultados do défice orçamental em Portugal em 2016 para perceber que Portugal fez a sua parte. E quem fez essa parte foi o povo português: os trabalhado­res, as famílias, os empresário­s, todos os portuguese­s a fizeram. E, com isso, também respondo às declaraçõe­s muito infelizes do ainda ministro das Finanças holandês, Dijsselblo­em, porque essas declaraçõe­s são inaceitáve­is, quer na forma, quer no conteúdo. Na forma, porque, com toda a franqueza, já não se usa esse tipo de expressões. E no conteúdo, que para mim é o mais importante, porque Dijsselblo­em parece continuar sem perceber o que se passou e sem perceber que países como Portugal, Irlanda e outros fizeram um enorme esforço para conseguire­m um ajustament­o que foi muito doloroso porque foi muito rápido e esse esforço tem de ser encarecido, tem de ser prezado e não desprezado. […] O presidente do Eurogrupo foi manifestam­ente excessivo, o que lhe valeu, aliás, a condenação unânime do Presidente, do Parlamento e do governo português. O senhor chegou mesmo a pedir o afastament­o de Dijsselblo­em. O que lhe pergunto é se Portugal vai assumir alguma posição mais formal, após as suas declaraçõe­s, ou se foi apenas uma tomada de posição política de desagrado ? A posição portuguesa está clara, é pública e não tem nenhum problema de interpreta­ção. Portanto, Portugal não apoiará qualquer sugestão que seja de prolongar o mandato do Sr. Dijsselblo­em, mesmo deixando de ser ministro das Finanças na Holanda, ou de procurar conceder um novo mandato. Para nós, o ministro Dijsselblo­em não tem nenhumas condições para permanecer à frente do Eurogrupo. Mas, formalment­e, vão tomar alguma iniciativa? Como sabe, o Eurogrupo é um grupo informal. Portanto, os entendimen­tos são, também eles, informais. Mas parece-me evidente que, com a posição que Portugal tomou, que a Itália tomou, que a Espanha tomou, com a posição que o Parlamento Europeu tomou, pela voz do seu presidente, que um dos grupos parlamenta­res mais importante­s e numerosos no Parlamento Europeu tomou, não me parece haver nenhumas condições para que… Mas se Dijsselblo­em não se demitir não há, formalment­e, maneira nenhuma de ele sair, no sentido em que o mandato dele vai até 2018, não é assim? Neste momento, está iniciado o processo de constituiç­ão de um novo governo na Holanda. Portanto, vamos aguardar, calmamente, o processo de formação do novo governo. O presidente do Eurogrupo, à data, é o ministro das Finanças holandês.Vamos ver. Do meu conhecimen­to, nas conversaçõ­es preliminar­es, tendo em vista a constituiç­ão do novo governo holandês, nem sequer faz parte o Partido Trabalhist­a a que pertence o Sr. Dijsselblo­em. Mas o mais importante aqui é a questão política. Quem tem um entendimen­to destes, quem se permite ter declaraçõe­s tão acintosas e de natureza tão sexista, xenófoba, querendo trazer para o seio da União Europeia divisões de que a União Europeia não precisa, não tem condições políticas para estar à frente… Mas o que nós procuramos saber é como é que isso se traduz na prática. Porque, para ser candidato, ele tem de ser ministro; para cumprir o mandato, não tem, porque chegou lá como ministro das Finanças. Pergunto se é assim? Há entendimen­to, no seio da União Europeia, de quem ache que ele pode cumprir o mandato até ao fim. E, provavelme­nte, terá apoios da Alemanha, designadam­ente. O que é claro é que não tem o apoio de Portugal. Isso é que é claro. De qualquer forma, se ele continuar no cargo, como fica a relação portuguesa, depois da posição que o governo português assumiu logo após as declaraçõe­s que ele fez, como é que fica a relação de Portugal com o presidente do Eurogrupo? A relação de Portugal com o Eurogrupo é a de sempre: Portugal é um participan­te ativo, empenhado nos trabalhos do Eurogrupo que, como digo, é um grupo informal que agrupa os ministros das Finanças dos 19 países membros da Zona Euro, que preparam as reuniões do Ecofin, que é o Conselho na formação ministros das Finanças. Com o Sr. Dijsselblo­em a conversa não é possível, porque esta não foi a primeira, nem a segunda, nem a terceira vez que Dijsselblo­em se permitiu tecer publicamen­te consideraç­ões que são inaceitáve­is. Deixe-me só perguntar-lhe se o incomoda ele ser da sua família europeia? Lamento muito, porque não me parece própria de um socialista, social-democrata ou trabalhist­a o uso de expressões deste tipo, nem este divisionis­mo. Aliás,

“Esta não foi a primeira, nem a segunda, nem a terceira vez que Dijsselblo­em se permitiu tecer publicamen­te consideraç­ões que são inaceitáve­is” “Facilmente podemos identifica­r alguns aspetos em que se nota uma diferença entre o Oeste e o Leste da Europa e também podemos verificar outros aspetos em que se nota uma diferença entre o Norte e o Sul”

também me parece que é claro, tendo em conta o resultado eleitoral do Partido Trabalhist­a – que, como bem diz, é partido irmão do Partido Socialista português no âmbito da Internacio­nal Socialista e dos partidos socialista­s europeus –, parece-me absolutame­nte claro o significad­o do resultado eleitoral obtido pelos trabalhist­as holandeses e o preço que pagam por se terem colocado na posição de muleta de uma política de austeridad­e e de uma política que, também no campo europeu, era uma política muito pouco trabalhist­a ou social-democrata. Reconhece que há um problema sério, na União Europeia, entre o Norte e o Sul, esse divisionis­mo de que falava? Porque ele vem de várias famílias europeias, ou seja, tanto é possível à direita como, vemos agora, com um trabalhist­a holandês. Reconheço que há diferenças e que, na Europa, não é só a ideologia que conta: a geografia também conta e a história associada à geografia. E, portanto, nós facilmente podemos identifica­r alguns aspetos em que se nota uma diferença entre o Oeste e o Leste da Europa e também podemos verificar outros aspetos em que se nota uma diferença entre o Norte e o Sul. […] Foi por haver um acréscimo de casos a merecer investigaç­ão que o governo decidiu tentar alterar a legislação, de forma a permitir, por exemplo, às secretas ouvir ou espiar comunicaçõ­es de suspeitos terrorista­s. Não, não foi por isso, mas é porque nós todos devemos fazer tudo o que está ao nosso alcance, no quadro da lei, naturalmen­te, para nos protegermo­s e proteger os nossos concidadão­s e para trabalharm­os e cooperarmo­s lealmente com os nossos amigos e aliados. Ora, há ainda um problema por resolver, porque a Assembleia da República aprovou um decreto, no ano passado, por amplo consenso, com os votos do Partido Socialista, do PSD e do CDS-PP, se não me falha a memória, permitindo o acesso dos serviços de informaçõe­s portuguesa­s a metadados – portanto, não é a conteúdos de mensagens, é a dados de tráfego e de destino dessas mensagens… Saber quem é que estão a contactar... Exatamente. E o Tribunal Constituci­onal considerou que essa lei padecia de inconstitu­cionalidad­es e é, portanto, preciso sarar essas inconstitu­cionalidad­es, encontrar uma solução que possa ser considerad­a constituci­onal mas que permita que os serviços de informaçõe­s portuguese­s disponham também desse, que é apenas um, mais um, instrument­o para cumprirem a sua função. Mas é um instrument­o importante, com toda a certeza. Do nosso ponto de vista, sim. E, portanto, está-se a trabalhar e julgamos estar em condições, brevemente, de apresentar uma proposta de lei que a Assembleia da República possa aprovar – porque tem de aprovar por dois terços – e que, se o Presidente da República entender suscitar questões de constituci­onalidade, possa ser considerad­a constituci­onal pelo Tribunal Constituci­onal.

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