AUGUSTO SANTOS SILVA
“COM DIJSSELBLOEM A CONVERSA NÃO É POSSÍVEL”
Esta não foi uma semana fácil para os países do Sul e, em particular, para Portugal. Novamente, a ameaça de sanções, desta vez por sugestão do Banco Central Europeu por alegada falta de reformas, e o presidente do Eurogrupo a sugerir que os países do Sul gastam mal o dinheiro e depois pedem ajuda ao Norte. É uma fatalidade viver nesta Europa, em que se passa o tempo a discutir se a culpa da crise é do Norte ou é do Sul? Não. Em primeiro lugar, não é uma fatalidade nós não podermos usar informação atualizada quando produzimos relatórios. E o caso do relatório produzido no âmbito do BCE é um caso claro disso: informação desatualizada leva a que as recomendações que se possam fazer sejam, elas próprias, desatualizadas. Bastava, aliás, esperar mais uma semana e ver os resultados do défice orçamental em Portugal em 2016 para perceber que Portugal fez a sua parte. E quem fez essa parte foi o povo português: os trabalhadores, as famílias, os empresários, todos os portugueses a fizeram. E, com isso, também respondo às declarações muito infelizes do ainda ministro das Finanças holandês, Dijsselbloem, porque essas declarações são inaceitáveis, quer na forma, quer no conteúdo. Na forma, porque, com toda a franqueza, já não se usa esse tipo de expressões. E no conteúdo, que para mim é o mais importante, porque Dijsselbloem parece continuar sem perceber o que se passou e sem perceber que países como Portugal, Irlanda e outros fizeram um enorme esforço para conseguirem um ajustamento que foi muito doloroso porque foi muito rápido e esse esforço tem de ser encarecido, tem de ser prezado e não desprezado. […] O presidente do Eurogrupo foi manifestamente excessivo, o que lhe valeu, aliás, a condenação unânime do Presidente, do Parlamento e do governo português. O senhor chegou mesmo a pedir o afastamento de Dijsselbloem. O que lhe pergunto é se Portugal vai assumir alguma posição mais formal, após as suas declarações, ou se foi apenas uma tomada de posição política de desagrado ? A posição portuguesa está clara, é pública e não tem nenhum problema de interpretação. Portanto, Portugal não apoiará qualquer sugestão que seja de prolongar o mandato do Sr. Dijsselbloem, mesmo deixando de ser ministro das Finanças na Holanda, ou de procurar conceder um novo mandato. Para nós, o ministro Dijsselbloem não tem nenhumas condições para permanecer à frente do Eurogrupo. Mas, formalmente, vão tomar alguma iniciativa? Como sabe, o Eurogrupo é um grupo informal. Portanto, os entendimentos são, também eles, informais. Mas parece-me evidente que, com a posição que Portugal tomou, que a Itália tomou, que a Espanha tomou, com a posição que o Parlamento Europeu tomou, pela voz do seu presidente, que um dos grupos parlamentares mais importantes e numerosos no Parlamento Europeu tomou, não me parece haver nenhumas condições para que… Mas se Dijsselbloem não se demitir não há, formalmente, maneira nenhuma de ele sair, no sentido em que o mandato dele vai até 2018, não é assim? Neste momento, está iniciado o processo de constituição de um novo governo na Holanda. Portanto, vamos aguardar, calmamente, o processo de formação do novo governo. O presidente do Eurogrupo, à data, é o ministro das Finanças holandês.Vamos ver. Do meu conhecimento, nas conversações preliminares, tendo em vista a constituição do novo governo holandês, nem sequer faz parte o Partido Trabalhista a que pertence o Sr. Dijsselbloem. Mas o mais importante aqui é a questão política. Quem tem um entendimento destes, quem se permite ter declarações tão acintosas e de natureza tão sexista, xenófoba, querendo trazer para o seio da União Europeia divisões de que a União Europeia não precisa, não tem condições políticas para estar à frente… Mas o que nós procuramos saber é como é que isso se traduz na prática. Porque, para ser candidato, ele tem de ser ministro; para cumprir o mandato, não tem, porque chegou lá como ministro das Finanças. Pergunto se é assim? Há entendimento, no seio da União Europeia, de quem ache que ele pode cumprir o mandato até ao fim. E, provavelmente, terá apoios da Alemanha, designadamente. O que é claro é que não tem o apoio de Portugal. Isso é que é claro. De qualquer forma, se ele continuar no cargo, como fica a relação portuguesa, depois da posição que o governo português assumiu logo após as declarações que ele fez, como é que fica a relação de Portugal com o presidente do Eurogrupo? A relação de Portugal com o Eurogrupo é a de sempre: Portugal é um participante ativo, empenhado nos trabalhos do Eurogrupo que, como digo, é um grupo informal que agrupa os ministros das Finanças dos 19 países membros da Zona Euro, que preparam as reuniões do Ecofin, que é o Conselho na formação ministros das Finanças. Com o Sr. Dijsselbloem a conversa não é possível, porque esta não foi a primeira, nem a segunda, nem a terceira vez que Dijsselbloem se permitiu tecer publicamente considerações que são inaceitáveis. Deixe-me só perguntar-lhe se o incomoda ele ser da sua família europeia? Lamento muito, porque não me parece própria de um socialista, social-democrata ou trabalhista o uso de expressões deste tipo, nem este divisionismo. Aliás,
“Esta não foi a primeira, nem a segunda, nem a terceira vez que Dijsselbloem se permitiu tecer publicamente considerações que são inaceitáveis” “Facilmente podemos identificar alguns aspetos em que se nota uma diferença entre o Oeste e o Leste da Europa e também podemos verificar outros aspetos em que se nota uma diferença entre o Norte e o Sul”
também me parece que é claro, tendo em conta o resultado eleitoral do Partido Trabalhista – que, como bem diz, é partido irmão do Partido Socialista português no âmbito da Internacional Socialista e dos partidos socialistas europeus –, parece-me absolutamente claro o significado do resultado eleitoral obtido pelos trabalhistas holandeses e o preço que pagam por se terem colocado na posição de muleta de uma política de austeridade e de uma política que, também no campo europeu, era uma política muito pouco trabalhista ou social-democrata. Reconhece que há um problema sério, na União Europeia, entre o Norte e o Sul, esse divisionismo de que falava? Porque ele vem de várias famílias europeias, ou seja, tanto é possível à direita como, vemos agora, com um trabalhista holandês. Reconheço que há diferenças e que, na Europa, não é só a ideologia que conta: a geografia também conta e a história associada à geografia. E, portanto, nós facilmente podemos identificar alguns aspetos em que se nota uma diferença entre o Oeste e o Leste da Europa e também podemos verificar outros aspetos em que se nota uma diferença entre o Norte e o Sul. […] Foi por haver um acréscimo de casos a merecer investigação que o governo decidiu tentar alterar a legislação, de forma a permitir, por exemplo, às secretas ouvir ou espiar comunicações de suspeitos terroristas. Não, não foi por isso, mas é porque nós todos devemos fazer tudo o que está ao nosso alcance, no quadro da lei, naturalmente, para nos protegermos e proteger os nossos concidadãos e para trabalharmos e cooperarmos lealmente com os nossos amigos e aliados. Ora, há ainda um problema por resolver, porque a Assembleia da República aprovou um decreto, no ano passado, por amplo consenso, com os votos do Partido Socialista, do PSD e do CDS-PP, se não me falha a memória, permitindo o acesso dos serviços de informações portuguesas a metadados – portanto, não é a conteúdos de mensagens, é a dados de tráfego e de destino dessas mensagens… Saber quem é que estão a contactar... Exatamente. E o Tribunal Constitucional considerou que essa lei padecia de inconstitucionalidades e é, portanto, preciso sarar essas inconstitucionalidades, encontrar uma solução que possa ser considerada constitucional mas que permita que os serviços de informações portugueses disponham também desse, que é apenas um, mais um, instrumento para cumprirem a sua função. Mas é um instrumento importante, com toda a certeza. Do nosso ponto de vista, sim. E, portanto, está-se a trabalhar e julgamos estar em condições, brevemente, de apresentar uma proposta de lei que a Assembleia da República possa aprovar – porque tem de aprovar por dois terços – e que, se o Presidente da República entender suscitar questões de constitucionalidade, possa ser considerada constitucional pelo Tribunal Constitucional.