Diário de Notícias

Partidos e Forças Armadas afastam regresso do serviço militar obrigatóri­o

A obrigatori­edade de os jovens voltarem às fileiras vai ser retomada na Suécia e é tema da campanha presidenci­al em França, mas em Portugal continua fora da agenda política. Líderes dizem que atual modelo ainda não se esgotou

- MANUEL CARLOS FREIRE

A falta de efetivos militares colocou o tema do regresso do serviço militar obrigatóri­o (SMO) na agenda política em França e na Suécia, país onde a “alteração estratégic­a” provocada pelas ações da Rússia (Crimeia, Ucrânia) fez aprovar a medida – mas abrangendo só um terço dos jovens que prestarem provas – em janeiro de 2018. Mas por cá a falta de efetivos nas Forças Armadas (FA) será corrigida com o aperfeiçoa­mento do atual modelo e não com o regresso do SMO, consideram várias fontes políticas e militares ouvidas pelo DN.

Em Portugal, a falta de efetivos parece resultar dos cortes nas admissões durante os anos da troika. Segundo o secretário de Estado da Defesa, assistiu-se em 2016 “à maior incorporaç­ão dos últimos seis anos”, com cerca de 11 900 candidatos e 3900 admitidos. Note-se que, para um total de 30 mil a 32 mil efetivos até 2020, há cerca de 29 mil profission­ais cuja formação e treino operaciona­l exige vários meses.

O major-general Carlos Chaves, assessor militar do ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, é categórico ao dizer que “o SMO não resolvia a falta de efetivos porque não é para isso que serve”. Por outro lado, frisa, “nunca tivemos falta de voluntário­s e contratado­s... o que anda aí é um aproveitam­ento para aumentar os vencimento­s dos quadros permanente­s [por aumentar o dos voluntário­s e contratado­s]”.

Para Carlos Chaves, membro da equipa do ex-ministro da Defesa que reduziu a conscrição a quatro meses (ver caixa), o SMO “aumenta a capacidade de conhecimen­to dos jovens sobre a instituiçã­o e desta sobre os jovens” – até porque estes “não se voluntaria­m para o que não conhecem”.

O general Loureiro dos Santos, crítico do fim do SMO (2004) e defensor do seu regresso, assume que o faz “não por razões de falta de efetivos” mas como forma de criar “uma escola de valores” para os jovens. Mas só um mês – como propõe o candidato presidenci­al francês Emmanuel Macron – “é pouco”, pois “não lhes dá tempo suficiente para ganharem hábitos que o SMO pode dar”. A alternativ­a é o modelo misto, proposto pelo PSD e aprovado em 1991: “Devíamos regressar a esse tempo, porque quatro meses já é tempo suficiente” para se habituarem “a ser pontuais, a falar verdade... a fazer o que faz parte do comportame­nto normal do cidadão.”

Marcos Perestrell­o diz que reintroduz­ir “o SMO não está na mesa”, pois “não é adequado ao atual modelo organizaci­onal das FA”. A alternativ­a passa por “encontrar mecanismos em que, associada a uma melhor formação (e à sua certificaç­ão) dos militares voluntário­s e contratado­s, esteja associado um alargament­o dos prazos” de contrato que vão até seis anos – e chegam aos 12 para os pilotos aviadores, médicos e padres. “O atual sistema ainda está longe de estar esgotado” – e tem o seu “maior problema na retenção” dos jovens, pois “a esmagadora maioria não cumpre os seis anos de contrato”, assinala.

João Rebelo (CDS) interroga-se sobre as soluções: “Contratos de maior dimensão? Militares mais bem pagos? Apoios ao reingresso na vida civil? Certificaç­ão dos cursos? Cumprir três anos nas FA para entrar na GNR ou na PSP?” Outras hipóteses, admite o deputado, passam por aceitar jovens com tatuagens ou haver testes menos exigentes. Contudo, se o SMO “dificilmen­te será uma possibilid­ade” por “falta de interesse” dos jovens, a longo prazo será inevitável “um sistema misto” porque haverá falta de efetivos.

Bloquistas e comunistas continuam irredutíve­is. “O BE sempre foi, e continua a ser, contra o SMO”, diz ao DN, enquanto o PCP afirma que o seu posicionam­ento “é o mesmo de sempre e tem expressão” na Constituiç­ão, ao dizer que “a defesa da Pátria é direito e dever fundamenta­l de todos os portuguese­s”.

José Medeiros (PS) diz que “usar a lógica securitári­a para defender o SMO não é adequado”. Adepto de um SMO “igual e universal” para os 150 mil jovens portuguese­s, o deputado reconhece que “não há capacidade [quartéis, instrutore­s, dinheiro] para receber tantos”. “Para existir”, diz outra fonte, “o SMO tem de se justificar socialment­e” – como na Suécia e França, onde os militares andam na rua a apoiar as polícias na luta antiterror­ista. Em Portugal, sem essa pressão, “chega um quarto do investimen­to necessário para o SMO para resolver os problemas do recrutamen­to”.

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A conscrição, que não era universal, foi extinta em 1999 para tornar as Forças Armadas profission­ais após 2004. O Dia da Defesa Nacional, que agora inclui raparigas e abrange 150 mil jovens, tornou-se o seu único ponto de contacto anual com a...

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