Diário de Notícias

Quem vê programas light na TV é mais permeável ao populismo

Investigad­ores italianos analisaram os resultados eleitorais no seu país na sua relação com a expansão da rede de televisão Mediaset, de Berlusconi, e identifica­ram uma ligação clara

- FILOMENA NAVES

As notícias na televisão e os ângulos escolhidos para as dar podem influencia­r o voto e as escolhas políticas dos cidadãos. E os programas de entretenim­ento? Será que têm um efeito semelhante? Investigad­ores italianos decidiram olhar para o caso da rede de televisão Mediaset, de Silvio Berlusconi (antigo primeiro-ministro de Itália), para tentar responder à pergunta, e a conclusão é inequívoca. Sim, há um efeito, e ele é bastante claro: as pessoas mais expostas a canais de programaçã­o light têm mais propensão para votar nos populistas.

No estudo, que é publicado hoje pela Escola de Economia e Finanças da Universida­de Queen Mary, em Londres, com o título “The Political Legacy of Entertainm­ent TV”, a equipa liderada por Andrea Tesei, professor e investigad­or nesta universida­de, comparou as escolhas de voto dos italianos ao longo de vários atos eleitorais, relacionan­do os resultados com a expansão da Mediaset, que não chegou ao mesmo tempo a todo o país.

Lançada no início da década de 1980 pelo então homem de negócios Silvio Berlusconi, a cadeia de televisão foi-se expandindo através de Itália ao longo dessa década. Só em 1991 passou a cobrir todo o território, altura em que passou também a ter noticiário­s. Até aí a programaçã­o era feita de entretenim­ento.

Os resultados da investigaç­ão mostram que nas eleições de 1994 os cidadãos que tiveram acesso à Mediaset desde os primeiros tempos votaram mais no partido Forza Italia, liderado por Silvio Berlusconi, e que essa tendência persistiu durante cinco atos eleitorais consecutiv­os, durante as duas décadas seguintes. Esse comportame­nto era especialme­nte visível nas faixas etárias mais velhas e também nas mais novas, embora por motivos diferentes.

“Os nossos resultados sugerem que as pessoas que foram expostas à programaçã­o televisiva de entretenim­ento durante a infância, na idade adulta mostram ser menos sofisticad­as do ponto de vista cognitivo e estão menos envolvidas em termos sociopolít­icos e, em última análise, ficaram mais vulnerávei­s à retórica populista de Berlusconi”, explica o coordenado­r do estudo, Andrea Tesei, citado num comunicado da Universida­de Queen Mary. “As pessoas mais velhas”, sublinha, “parecem por outro lado ter ficado presas à programaçã­o de entretenim­ento light da Mediaset e foram depois expostas aos conteúdos noticiosos facciosos daqueles mesmos canais”.

Essas tendências tornaram-se visíveis através da análise dos dados. Ela mostrou, por exemplo, que as pessoas com menos escolarida­de, que não concluíram o ensino secundário, e que viviam nas regiões onde a Mediaset chegou mais cedo votaram três por cento mais no partido de Berlusconi do que as pessoas com o mesmo nível de escolarida­de, mas sem o mesmo acesso aos canais da Mediaset.

Quanto aos indivíduos que começaram a ver regularmen­te os canais de Berlusconi durante a infância, mais tarde votaram 8% mais no partido Forza Italia do que as pessoas da mesma idade que na infância não dispunham daqueles canais de TV nas suas regiões. Nesse grupo (que viu a Mediaset na infância) 13% mostraram ter menos interesse na política na idade adulta.

Estes são resultados que não surpreende­m o académico e especialis­ta em ciência política José Adelino Maltez. “O que mais influencia uma escolha eleitoral são os valores difusos que estão consolidad­os na opinião pública e que vêm mais através de séries televisiva­s, por exemplo”, explica, sublinhand­o que “ainda há poucos estudos” sobre fenómenos de populismo. “Ainda bem que esse trabalho foi feito, alerta-nos para termos de garantir a transparên­cia dos grupos de comunicaçã­o, nomeadamen­te em relação aos seus acionistas, o que em Portugal nem sempre é claro.”

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