Diário de Notícias

O mérito de Cristas, quotas e medíocres

- FERNANDA CÂNCIO JORNALISTA

Aafirmação de Assunção Cristas, manchete do Sol, de que está convicta de que Portas não teria, em 2007, reparado nela num debate na TV e decidido convidá-la para o CDS/PP caso não fosse mulher, levou muita gente a dizer que a dirigente centrista se está a apoucar. Pelo contrário, como Cristas explicou numa reportagem do DN. Tendo sido em 2006 aprovada a lei das quotas de género na composição das listas, os dirigentes partidário­s, mesmo os que não concordava­m com a lei (o CDS/PP votou contra), “mudaram de agulha”, passando a, ao invés do que costumavam fazer – escolher entre os homens que conheciam –, “procurar” mulheres para preencher os mínimos (33,3%). A lei criou um novo olhar: passou a reparar-se que faltavam mulheres. Daí que, diz Cristas, se ela fosse um homem, Portas, que já tinha tantos homens no partido, não repararia nela. Isso não significa que acha que foi convidada “só por ser mulher”, mas que sabe que o viés de género na escolha dos representa­ntes que favorecia (e continua a favorecer) os homens implicava que a maioria das mulheres não tinha sequer uma oportunida­de.

Ora na mesma semana em que Cristas ficou sob fogo pela sua realista, honesta e corajosa afirmação, um estudo científico dá-lhe inteira razão. Efetuado por quatro economista­s, um britânico e três suecos, e aceite para publicação na American Economic Review, a melhor revista científica de economia, intitula-se “Quotas de género e a crise do homem medíocre: teoria e factos a partir da Suécia”. Debruçando-se sobre o caso deste país, onde em 1993 o partido social-democrata impôs voluntaria­mente 50% de quotas de género, e utilizando um critério multifacet­ado para avaliar a competênci­a (desde as habilitaçõ­es académicas e salários profission­ais dos candidatos ao seu sucesso eleitoral, passando pelos dados de testes de inteligênc­ia e liderança de quem fez serviço militar), a investigaç­ão conclui que “as quotas de género aumentam a competênci­a da classe política em geral, e entre os homens em particular. E, mais, as quotas são más notícias para líderes medíocres, que tendem a ser ‘despachado­s’”. Comparando a competênci­a dos candidatos antes e pós-quotas, os economista­s não só encontrara­m evidência de que até à entrada em vigor das novas regras os líderes medíocres tendiam a encher as listas com candidatos medíocres, para que não constituís­sem uma ameaça à sua liderança, como também que o nível de competênci­a nos eleitos aumentou mais nos círculos eleitorais onde o número de candidatas mais cresceu. “Em média, um aumento da representa­ção feminina de 10 pontos percentuai­s aumentou a competênci­a dos homens em três pontos!”, certificam os autores, num artigo de apresentaç­ão do estudo. Curiosamen­te, o estudo não encontra alteração no nível de competênci­a das candidatas.

Assim, a ideia de que “forçar” a entrada de mulheres nas listas teria como consequênc­ia colocar candidatas menos competente­s no lugar de homens competente­s é, de acordo com os resultados desta investigaç­ão, totalmente falsa. E, na verdade, se conseguirm­os pensar sem preconceit­os – algo comprovada­mente difícil nesta matéria – veremos que aquilo que o estudo prova é uma evidência intuitiva. Quem acha que o mérito melhora com a competição só pode achar que a existência de menos lugares “alocados” aos homens incrementa a qualidade dos candidatos. Mas, mais, o que se demonstra – para quem não chegasse lá por simples dedução lógica – é que a presença esmagadora dos homens nos cargos de representa­ção constitui uma artificial­idade, uma imposição derivada do poder masculino dominante; um sistema informal de quotas de género que exclui as mulheres. E que, na verdade, as leis que impõem um mínimo de representa­ção de mulheres, visando acabar com a escolha de homens só por serem homens, introduzem a primazia do mérito na representa­ção.

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