Desconfie do microfone estendido
Sobre a momentosa questão do nome do aeroporto do Funchal, já lá vou. Entretanto, era um dia consagrado à antigordura, estava uma jovem sentada com colegas numa esplanada de Lisboa. Ela não era um saco de ossos como a Gwyneth Paltrow. Uma câmara fixou-a nas curvas das bochechas que se prolongavam, mais do que ela queria, para coxas. Mau dia para sair à rua: uma repórter fisgou-a.“Em direto para...”, avisou a jornalista como se avisa de solo escorregadio ao estatelado no chão.Veio depois o nome da estação televisiva, os malefícios da obesidade e, catanada final, se a açambarcadora de lípidos fazia exercício... A vítima estrebuchou desde o início, nem pensava ainda no gozo dos dias seguintes na faculdade, mas no vexame já ali entre as colegas (ela era a mais redondinha) – e não soube impor um não. Um microfone estendido encandeia. Dias depois, outra aldeia, outra estação televisiva e o mesmo microfone.Tinha havido quatro assassínios no lugar, os jornalistas fizeram deles uma feira. O povo à volta acorreu, e um casal sem nada que fazer, também. O microfone estendeu-se-lhes sem aviso e ouviu: “Soubemos pela televisão e viemos”, e nós vimos duas caras de velhotes sorridentes. Chocada, a repórter disse: “Enfim...”, e virou-lhes as costas. Era aqui que eu queria chegar. Poder dar-se nome do Cristiano ao aeroporto do Funchal por várias razões. E a menor delas não é a lição que nos deu sobre o que fazer com microfones intrometidos.