EDUCAÇÃO MORAL E RELIGIOSA CATÓLICA
SÃO 224 418 OS ALUNOS NO PAÍS
“O meu objetivo é acompanhá-los, não é ensiná-los. É acompanhar a vida de cada um deles”
JOFRE PEREIRA PROFESSOR DE EMRC
A aula termina com quatro alunos premiados com um pêssego cada um e uma lição de moral. “A diferença entre a paixão e o amor é como escolher um pêssego. Escolhemos o pêssego porque apalpamos eé o mais maduro, o mais vermelhinho, o mais cheiroso. Mas isso é passageiro, isso é a paixão. A verdadeira essência do pêssego está no caroço. É a parte mais dura, mais difícil, mas é a única parte do pêssego que pode gerar vida.” A analogia do professor Jofre Pereira será debatida só na aula seguinte, mas os estudantes do 10.º ano da Secundária de Peniche já foram percebendo o que aquelas palavras querem dizer.
Nesta escola secundária a disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC) é tão popular que mesmo sendo a última hora e meia no horário, os alunos não deixam de aparecer. Mais surpreendente ainda, aparece até quem não está inscrito. Vêm porque “nesta aula podemos colocar dúvidas e somos ouvidos como não somos noutras disciplinas”. A explicação é dada por Bia e conta com acenos de concordância dos colegas em redor. Para o professor Jofre o sucesso da disciplina está ligado às atividades que fazem fora das aulas, mas também aos conteúdos e à forma como estão organizados. “Eles não vêm pela religião. E o nosso papel também não é o de fazer catequese, mas de os provocar. Eu provoco para eles pensarem e para deixá-los inquietos.”
Na aula a que o DN assistiu, o tema não podia ser mais adequado para estes jovens que têm entre 15 e 16 anos. Os estudantes de ciências económicas começaram a abordar o amor. “O importante é que eles descubram dimensões de si próprios que não conhecem, dentro dos valores e da cidadania de matriz católica”, aponta o professor.
Jofre Pereira, antigo seminarista, agora casado e pai de três filhos, deu aulas no virar no milénio por dois anos, saiu para trabalhar na área social. Regressou às salas de aula em 2015, depois de o professor Chico – Francisco Domingos – se ter reformado ao fim de 38 anos na escola. Acumula as oito horas de aulas com a direção de uma IPSS (o Centro Solidariedade e Cultura de Peniche).
Porém Jofre não se vê como um professor. Antes de mais, lecionar EMRC é “uma missão, somos missionários”. Depois, ele próprio tem uma forma particular de encarar a disciplina. “O meu objetivo é acompanhá-los, não é ensinar. É acompanhar a vida de cada um deles, às vezes estou a falar com um miúdo enquanto a aula está a decorrer, outras vezes eles apanham-me nos intervalos, mas é esse o nosso papel.”
Uma disponibilidade que agrada aos alunos. Por isso, Sara descreve esta como uma aula onde “podemos colocar perguntas, coisas da nossa vida que ninguém quer ouvir noutras disciplinas”. Entre as coisas que aqui podem desabafar estão os problemas com os pais, com outros professores ou nos namoros.
Jofre gosta de os provocar e desafiar a refletir sobre temas que eles nunca tinham pensado. Na atividade que levou alguns a ganharem um pêssego, divididos por quatro grupos de quatro alunos cada (um tinha cinco) tinham de escrever sobre o que é a paixão, o amor, a sexualidade e as diferenças biológicas e psicológicas entre homens e mulheres. Todos os alunos passavam por todos os grupos, menos os porta-vozes.
No resultado final, perante a ideia dada pelos alunos de que paixão era por exemplo namorar, Jofre aproveita para perguntar afinal o que é namorar. “Namorar é uma amizade diferente, com carinho”, responde João. “E é só beijinhos e apalpanços?”, desafia o professor. “Não, é conversar também”, garante João. Jofre volta à carga: “Vês-te a casar com a tua namorada?” “Não sei, é difícil responder, porque o que hoje é bom, no futuro pode não ser.” E pronto, Jofre já conseguiu o que queria, que era pôr estes jovens a pensar no futuro das relações.
Melhores pessoas com experiências Levar os alunos a refletir e a pensar sobre temas que muitos não falam sequer em casa é talvez a parte mais transversal desta disciplina, que em Portugal é frequentada por 224 mil alunos, 16 mil dos quais no ensino secundário. E nesta escola, em particular, essa reflexão é acrescida por interações dos jovens com a comunidade.
Entre campanhas de angariação de fundos, apoio domiciliário a idosos isolados, voluntariado com idosos, crianças e deficientes, até à organização de um jantar de Natal para “os mais simples”, os alunos de Peniche não param. “Ontem [na quarta-feira, dia 15] fomos à cadeia das Caldas da Rainha jogar com os reclusos. Fazemos três jogos por ano. Ganhámos o primeiro, perdemos ontem e agora o campeão será decidido no último período”, resume Jofre Pereira.
A ida à cadeia ajuda “os jovens a perceberem que os detidos são pessoas normais – que é o que os espanta mais – mas há uma linha muito ténue que foi ultrapassada e os levou para lá”. A escola tem também um programa de voluntariado, a Missão Servir, onde os alunos fazem trabalho de apoio à comunidade, “uma vez por semana, comprometemse a ir ao lar de idosos, das crianças”.
O objetivo é levá-los a envolver-se, mais do que simplesmente angariar fundos. “Os alunos do 12.º ano fizeram uma campanha para o lar e compraram uma coisa para os idosos. Escolheram um jogo de boccia, mas ir lá dar o jogo e conseguir o dinheiro era fácil. Queria implicá-los mais, não apenas a darem, mas entregarem-se aos outros. Por isso, todas as terças-feiras vão lá jogar boccia com os idosos”, exemplifica Jofre Pereira. No âmbito da disciplina fazem ainda angariação de fundos para ajudar a melhorar as condições de uma escola na Guiné-Bissau.
São dimensões que, para o diretor da escola, Manuel Lopes Martins, “ajudam a resolver conflitos dentro da escola e a criar melhores alunos no sentido humorístico”. “Prefiro isso aos rankings. Prefiro que eles sejam bons homens e boas mulheres”, defende o responsável.
Os próprios alunos sublinham a importância que a disciplina tem para eles. “Aproxima-nos enquanto turma”, aponta Ricardo. Aproximações que são feitas não só no voluntariado, nas aulas, mas também nas peregrinações, outra
vertente onde a religião ganha protagonismo. Em 2010, um grupo foi a Fátima a propósito da visita do Papa Bento XVI. Agora, têm também peregrinação marcada. As inscrições ainda não foram abertas, mas o professor já antecipa “pelo menos dois autocarros”. “Este Papa suscita muita curiosidade aos jovens”, reconhece. Mas nem a viagem a Fátima é exclusiva para ver o Papa, aliás, “como esperamos que esteja lá muita gente não sei se vamos ver o Papa, vamos para fazer voluntariado, aproveitando que o Papa vem cá”.
Um mês antes disso, um grupo de estudantes há de ir a Fátima a pé. “Um momento de entreajuda, essencial na vida deles e isso cria-se aí. Ninguém fica para trás. Não são só 100 km a pé. Não é só ter a humildade para aceitar ajuda. São dois dias de reflexão depois da caminhada, também.” A preparação da ida a Fátima inclui ainda a iniciativa “Pega na Mochila”, dois dias de reflexão sobre as aparições de Fátima e a vinda de Francisco a Portugal.
Numa comunidade predominantemente ligada à pesca e também, por isso, religiosa, o diretor da escola acredita que essa influência pode também explicar o sucesso da disciplina, o que já obrigou outra professora, Ana Cristina Marques, a dar aulas fora do horário em regime de voluntariado para os alunos dos cursos profissionais, que não têm esta opção no currículo.