Diário de Notícias

Violência doméstica. Crime sem castigo

- JOÃO PEDRO HENRIQUES JORNALISTA

António, 83 anos. Maria da Glória, 77. Maria Sameiro, 62. Marisa, 37. Foram estas as quatro pessoas assassinad­as na manhã de 24 de março, em SãoVeríssi­mo, Barcelos, por Adelino Briote, 63 anos, que confessou os crimes logo que se entregou à GNR. Na verdade, foram cinco as vítimas mortais. Marisa estava grávida de sete meses. O bebé, uma menina, não resistiu à morte da mãe. Foi-lhe retirada do ventre, registada com o nome de Francisca e enterrada ao colo da mãe, por vontade do pai e marido.

Briote fora condenado por violência doméstica por ter agredido uma filha, Márcia, 37 anos, também grávida, e a mãe da ex-mulher. Sentença: pena suspensa. Matou agora, à facada, António, Maria da Glória, Maria Sameiro e Marisa por vingança por se terem recusado a testemunha­r a seu favor naquele processo. Mas entretanto o Jornal de Notícias contou outra história: não foi preso porque lhe havia sido “prescrito” um plano de reinserção. Que nunca foi posto em funcioname­nto.

Mas isto não acaba aqui. Em 22 de março, o DN revelou, citando a PGR, que em 2015 e 2016 mais de cinco mil agressores domésticos com culpa provada ou assumida foram dispensado­s de cumprir prisão por causa da chamada “suspensão provisória do processo”. Obtiveram-na em troca de: a) pagamento ao Estado ou a uma instituiçã­o de solidaried­ade social; b) pagamento de uma indemnizaç­ão à vítima; c) frequência um programa ou tratamento específico (como o que não existiu para Adelino Briote).

O Relatório Anual de Segurança Interna relativo a 2016 permite completar o quadro. Houve 4163 acusações mas 2796 tiveram a tal suspensão provisória de processo. Contas feitas: quase 70% dos crimes fica sem castigo.

Em Beja, a psiquiatra Ana Matos Pires (minha amiga, aviso já), que dirige o serviço de psiquiatri­a da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, anda há anos a pregar aos peixes: os magistrado­s remetem-lhe agressores para tratamento e ela devolve-os à procedênci­a porque o seu serviço não está preparado para os atender (e, além do mais, não percebe em que base se considera o sujeito reabilitáv­el). Todas as perguntas que tem feito a quem de direito ficam sem resposta. Suspeita forte: a reabilitaç­ão não existe (ou existe mal ou existe pouco). Mas os magistrado­s suspendem à mesma a aplicação da pena.

Entretanto, ouvimos vozes a garantir empenhamen­to total do Estado no combate à violência doméstica. Tretas, tretas e mais tretas. Chafurdamo­s até à ponta dos cabelos em tretas oficiais bem-intenciona­das que não conduzem a nada. Adelino Briote agora está preso, aguardando julgamento. Parece-me que não devia ser só ele.

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