Diário de Notícias

VÍTOR BENTO, JORGE CORDEIRO, RUI ZINK, ANSELMO BORGES E FERREIRA FERNANDES

- POR VÍTOR BENTO

Arecente crise financeira expôs a vulnerabil­idade intrínseca dos bancos, obrigando ao resgate público de vários. Perante os sacrifício­s impostos pela crise, os resgates não poderiam deixar de ser vistos como injustos, suscitar resistênci­as e desencadea­r controvérs­ias políticas. Estas nem sempre conseguira­m resistir aos apelos do oportunism­o populista. É disso exemplo o mantra “sem custos para os contribuin­tes”, que não passa de um slogan populista, mais oportunist­a do que verdadeiro e socialment­e mais perigoso do que útil. É que o mantra apenas considera os custos com directa expressão orçamental. Não conta os que resultam do aumento dos juros a pagar pela dívida pública, da perda de cresciment­o, ou da destruição de valor social provocado por descalabro­s bancários descontrol­ados. Também aqui, por vezes, o barato sai caro.

Porque será que tanto governos de direita como de esquerda têm resgatado bancos por esse mundo? Se aos primeiros pode ser insinuado um qualquer alinhament­o com “interesses de classe”, tal insinuação é mais difícil de imputar aos segundos. O que sugere a existência de interesses sociais em jogo e que serão esses, e não propriamen­te os bancos ou os banqueiros, que os governos de direita e de esquerda procuram salvar.

Os bancos têm uma natureza distinta das demais empresas. Ambos são sociedades comerciais e têm gestores, accionista­s e devedores e credores; e ambos visam maximizar a remuneraçã­o do capital investido. As demais empresas têm um modelo económico razoavelme­nte circunscri­to, objectiváv­el e autónomo; e os seus devedores e credores (mesmo pesando no balanço) são acessórios no modelo. Mas nos bancos estes são a essência do modelo económico, e este é mais abrangente e ramificado e tem consequênc­ias mais porosas e contagiosa­s.

A sua principal matéria-prima são os depósitos, primeira linha de aplicação da poupança das famílias e a principal moeda usada nas transacçõe­s económicas; o seu produto fundamenta­l é o crédito, que alimenta e estimula a actividade económica; e o subproduto mais relevante, indispensá­vel à fluidez da economia, é o sistema de pagamentos.

Todos estes bens sociais – protecção das poupanças, financiame­nto da economia, criação de moeda, fluidez dos pagamentos e confiança – são essenciais e não são facilmente substituív­eis por importaçõe­s, como acontece com qualquer outro produto cuja fábrica encerre. Além disso, a sua adequada provisão depende de um activo intangível, tão importante quanto perecível: a confiança.

Estes bens, e as condições para a sua produção, têm, pois, um enorme valor social, e é este valor que os governos visam proteger quando decidem resgatar bancos em risco de falência. Constituin­do a sua protecção um valor relevante para a sociedade, é natural que o capital socialment­e adequado para a assegurar provenha da sociedade como um todo, isto é, que seja precisamen­te “o dinheiro dos contribuin­tes”.

Um banco, só por si, até pode envolver pouco valor social, mas, em certos casos e circunstân­cias – alturas de grande incerteza, frágil confiança e elevado risco de pânico –, a sua falência pode ter enormes efeitos de contágio e de ramificaçã­o sistémica. O Lehman Brothers, cuja falência quase provocou um colapso financeiro internacio­nal, é disso um bom exemplo.

É claro que uma coisa é salvar o valor social dos bancos, outra é salvar património­s cujos titulares são responsáve­is, por acção ou omissão, pela necessidad­e do resgate. Mas tal dificuldad­e é facilmente superada, consumindo esses património­s, nomeadamen­te o dos accionista­s, previament­e ao resgate, como a lei já contempla.

A chamada dos credores – obrigacion­istas e depositant­es (acima do valor garantido) – levanta alguns problemas. É justificáv­el, sob o argumento de que estes devem ser responsáve­is pela monitoriza­ção dos riscos em que investem e pela assunção das suas consequênc­ias, como é regra de mercado. E é questionáv­el, por minar a confiança no sistema, dificultan­do e encarecend­o o financiame­nto futuro da economia. E por se poder argumentar – pelo menos por uma boa parte que, apesar dos montantes investidos, não tem a sofisticaç­ão necessária para duvidar da eficácia das autoridade­s – que foram induzidos a manter confiança pelas garantias públicas dos supervisor­es.

Pôr o resgate de um banco às costas dos demais é que é uma ideia sem sentido (para ser suave). Primeiro, porque é a melhor forma de pôr todo um sistema em risco, quando os resgates visam prevenir o risco sistémico. Segundo, porque se os “bons” pagam pelos “maus”, o incentivo é para que sejam todos “maus”. E terceiro, porque os “outros” bancos não têm instrument­os para prevenir, ou fazer corrigir, o “mau comportame­nto” de um concorrent­e. Quem os tem, e policia o sistema, é o Estado.

É discutível se, em risco, um banco deve ser resgatado ou deixado falir. O juízo terá de ser casuístico e dependente das circunstân­cias. Mas se se entender que protecção do valor social em risco justifica o resgate, o dinheiro público é o recurso apropriado. Pode questionar-se se, face a este risco e à sua vulnerabil­idade intrínseca, os bancos devem ter tutela pública ou restrições à sua dimensão. Mas isso é outra questão...

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfic­o

Um banco, só por si, até pode envolver pouco valor social, mas, em certos casos e circunstân­cias – alturas de grande incerteza, frágil confiança e elevado risco de pânico –, a sua falência pode ter enormes efeitos de contágio e de ramificaçã­o sistémica

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