Diário de Notícias

A emocionant­e vida de negócios e invenções de Adelino Pastilha

Reportagem de Helena Tecedeiro com mais um empresário português de sucesso nos Estados Unidos.

- HELENA TECEDEIRO, em Nova Iorque

Quando depois do 25 de Abril pôde finalmente ir para a América, Adelino Pastilha hesitou. “Já tinha profissão, sustentava-me a mim próprio, tinha um carro – coisa rara na altura.” Mas acabou por vir. É que se antes a lei o obrigara a ficar em Portugal apesar de a família ter vindo toda para os Estados Unidos, uma vez que já tinha mais de 14 anos e tinha de esperar até fazer o serviço militar, agora não ia perder a oportunida­de. Foi. Atrás do sonho de estudar. Mas “chego num sábado e na segunda já tinha trabalho à minha espera”, conta agora diante do bitoque do Ipanema – “o melhor bitoque que como fora de Portugal”.

O nome soa a Brasil, mas o restaurant­e na 46th Street, entre a Quinta e a Sexta Avenida, pertence a Alfredo, um alentejano que é dono de um hotel no Algarve. É ali que Adelino marca encontro, insistindo em vir desde Mount Pleasant, a norte da cidade de Nova Iorque, até

Manhattan. O pedido também já está decidido e é diante de um copo de tinto “não muito forte” que Adelino começa a contar como o rapaz nascido numa aldeia do concelho de Porto de Mós, a oito quilómetro­s de Fátima, chegou à América e teve sucesso nos negócios. Tanto sucesso que agora se pode dedicar à outra paixão: as invenções.

“Nasci numa aldeia pequena e para continuar os estudos depois da primária era preciso andar quilómetro­s”, conta Adelino, num português quase perfeito em que por momentos aparece uma ou outra palavra em inglês. Apesar de ter sido “um dos melhores alunos”, acabou por seguir o caminho das duas irmãs mais velhas e ir trabalhar. “O meu pai dizia-me: ‘Vais estudar para quê? As tuas irmãs também não estudaram!’”

“Aos 13 anos fui para Leiria aprender uma profissão. Sozinho”, recorda. Mecânico, tinha de lidar com o bullying dos colegas, “homens feitos que se metiam com o miúdo da aldeia”. Mas Adelino não desistiu de estudar. E mal chegou à cidade tentou ter aulas à noite. Mas teve de esperar até fazer 14 anos para se inscrever na Escola Industrial e Comercial de Leiria. A trabalhar o dia inteiro e com as aulas a começar às 20.00, “nunca chegava a casa antes das 23.30, meia-noite”.

Foi nessa altura que o pai, que trabalhava há anos em França e que Adelino só via nas férias, decidiu trazer a família toda para a América. “Tenho familiares nesta zona de Nova Iorque. Tinha uma irmã que casou jovem e já vivia aqui há cinco anos”, explica Adelino. Mas era não contar com a lei do Estado Novo que impedia qualquer rapaz de mais de 14 anos de sair de Portugal até fazer o serviço militar. “Mais uma vez fiquei sozinho.”

Só depois da revolução de 1974 e do regresso da democracia a Portugal é que Adelino pôde juntar-se ao resto da família. “Cheguei num sábado de novembro. Mal preparado. Sem roupa de inverno”, recorda agora, enquanto em fundo se ouve música brasileira. Obrigado pelo pai a ir trabalhar como mecânico, o sonho de estudar voltou a ser adiado. Entretanto, e apesar de aos 18 anos já ter seis de experiênci­a, recebia o salário mínimo e ainda tinha de lidar com as partidas dos colegas mais velhos.

Sem falar uma palavra de inglês, Adelino decidiu então deixar o trabalho e dedicar-se a aprender a língua. E em seis meses, graças aos “dicionário­s e cassetes”, fez o exame de equivalênc­ia ao liceu. Mas o verdadeiro desafio foi voltar a viver com os pais. Sobretudo com o pai. “Era aquela mentalidad­e antiga. Ele era picado pelas outras pessoas que lhe diziam que o filho não trabalhava. Chamava-me ‘malandro’, diziam: ‘tinha um emprego tão bom e não quis trabalhar!’”

Depois de um part-time num supermerca­do, foi através de um anúncio que Adelino entrou no ramo da metalurgia. Primeiro como empregado numa pequena empresa, depois numa outra onde, com o apoio da dona, conseguiu aumentar os lucros. “Em três anos fizemos daquilo uma grande empresa. Levei para lá bastantes pessoas para trabalhar, muitos portuguese­s”, conta. Mas as coisas correram mal quando o marido da patroa recusou dar aos empregados o aumento que Adelino lhes prometera se atingissem os objetivos. “Tirei um mês de férias, fui a Portugal, quando regressei voltei a perguntar. Ele voltou a dizer que não e eu fui-me embora.”

Cansado de trabalhar por conta de outros, Adelino decide comprar uma empresa, com dois sócios. “Passados cinco anos já estava nos cinco milhões de volume de negócio”, conta orgulhoso, sublinhand­o que chegou a ter 50 empregados. Orgulho tem também de alguns dos trabalhos que fez ao longo dos anos, como a vedação com 400 maçãs no aeroporto de La Guardia, em Nova Iorque, ou a escadaria com 900 luzes para um hotel no Soho.

Deixadas para trás as dificuldad­es dos primeiros tempo, hoje Adelino confessa que está “bem financeira­mente”. Mas a metalurgia é coisa que pertence ao passado. “Toda a vida trabalhei tanto que um dia percebi que estava burnt down, estava completame­nte queimado. Já tudo me irritava.” Foi então que decidiu fazer um acordo com um dos melhores funcionári­os: este continuava com o negócio e pagava uma renda a Adelino, que podia voltar em qualquer altura. “Nunca mais voltei!”, exclama a rir. “O negócio continua a ser meu. Continuo a receber uma renda, mas não quero mais explorar esse setor.” Todos os anos, Adelino Pastilha e os amigos vão jogar golfe a uma zona diferente de Portugal (na foto em Praia D’el Rey, Óbidos). Este ano, o empresário vai à Madeira. Em cima, Adelino com o primeiro carro, um Austin Morris 1300 que ele comprou quando tinha 16 anos e que foi arranjando aos fins de semana

Da metalurgia, Adelino passou então para a lavagem de automóveis. Um ramo em que tem amigos e no qual começou como financiado­r de um projeto que acabou por ficar para ele. Aí Adelino fez o que faz sempre: “Comecei a inovar. Tenho muitas inovações que fazem que seja melhor do que os outros.”

Com as lavagens de automóveis – uma emYonkers e outra em Danbury, no estado vizinho do Connecticu­t –, Adelino tem finalmente “tempo para as coisas que verdadeira­mente gosto. Como esta das invenções”. Neste momento, o empresário está focado no “projeto”, uma espécie de máquina de fazer ginástica com rodas (ver texto ao lado) cujas peças já estão a ser fabricadas na China.

E tempo para a família? Aí, Adelino admite que falhou até certo ponto. Ele que sempre fez tudo para estudar, não entende que a filha mais nova, de 17 anos, não se interesse pela escola. “Essa é que me mata!” E lamenta ainda que só o filho mais velho (de 27 anos, tem ainda um de 22) fale português. E só “porque aprendeu na universida­de”.

Regressar definitiva­mente para Portugal, onde vai “três ou quatro vezes por ano”, não está portanto no horizonte deste homem que gosta de dizer que é “um português residente no estrangeir­o. Não um imigrante”. Quando as saudades batem, Adelino pega no saco de golfe e no grupo de amigos para umas tacadas num campo português. “Os meus dois lugares preferidos em Portugal são os Açores e o Alentejo. Neste ano vamos jogar à Madeira.” Com os negócios entregues e os filhos crescidos, Adelino não parece contudo disposto a abrandar o ritmo: “Não consigo pensar em reformar-me!” VEJA TODAS AS REPORTAGEN­S PELA AMÉRICA DO TIO SILVA EM WWW.DN.PT

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Para Adelino Pastilha, o restaurant­e Ipanema, na 46th Street, em Manhattan, serve “o melhor bitoque que já comi fora de Portugal”
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