Diário de Notícias

Mentes que brilham: como se faz um olímpico na Matemática

Até amanhã, em Viseu, Portugal elege os seus melhores, num desafio com cada vez melhores resultados internacio­nais

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PEDRO SOUSA TAVARES À primeira vista, Henrique Navas e Manuel Cabral têm pouco em comum. O primeiro é tímido, reservado, ponderando nas respostas e poupado nas palavras. O segundo talvez também tenha uma ponta de timidez, mas disfarça-a eficazment­e com piadas ocasionais e uma resposta pronta para todas as perguntas.

“A melhor forma de me descrever é dizer que, quando olham para mim, as pessoas pensam que sou um daqueles alunos de 17 anos que ainda estão no 10.º ou no 11.º ano, porque estão demasiado entretidos a fazer outras coisas além de estudar”, brinca.

Não é verdade, claro. Embora garanta que, de facto, tem todos os interesses de um adolescent­e típico da sua idade, nunca teve o menor percalço na escola e caminha para acabar o secundário com uma média na casa dos 19 valores, que lhe dará livre acesso a praticamen­te qualquer curso superior do país.

Já tem uma ideia do que quererá fazer: “A maior parte dos alunos que participam nas Olimpíadas acabam por ir parar o [Instituto Superior] Técnico. Estou inclinado para as Engenharia­s, quase de certeza a Aeroespaci­al.”

Henrique, com um percurso escolar igualmente brilhante, tem menos certezas em relação ao futuro. “Ainda estou a ponderar. O que me apetecia mesmo fazer era continuar a estudar Matemática”, admite.

É claramente com os números – não tanto com as palavras – que este último se sente mais confortáve­l. E, talvez por ter esse foco mais acentuado, é ele, entre os dois, quem mais perspetiva­s de sucesso tem nas finais nacionais das Olimpíadas que decorrem até este sábado na Secundária Emídio Navarro, em Viseu.

Entra em provas “há cinco anos”, começou logo no 7.º ano de escolarida­de, já não tem muitos desafios a superar a nível nacional. Ganhou uma medalha de ouro nas finais nacionais do ano passado e atingiu duas vezes a meca almejada por todos os participan­tes destas provas, representa­ndo o país nas Olimpíadas Internacio­nais da Matemática (OIM). No ano passado regressou de lá com um diploma de mérito. É um dos nomes a que os juízes estarão mais atentos. “Pela forma como as coisas correram no passado, é verdade que sinto uma certa pressão de chegar ao ouro, para não baixar o nível”, diz.

Manuel esforça-se por aparentar maior descontraç­ão. Garante não atribuir “muita importânci­a” aos títulos. Já ganhou medalhas, nomeadamen­te a nível nacional, que estão “guardadas numa gaveta no quarto”, e tem também um diploma de mérito da sua prestação no ano passado nas Olimpíadas Ibero-Americanas – que juntam participan­tes da Península Ibérica e dos países da América Latina –, misturado com um monte de apontament­os e enunciados antigos que tem guardados num dossiê. Mas não consegue esconder o sonho de imitar os passos do colega de prova, chegando à OIM.

“Nem falo em ganhar uma medalha, mas participar numas olimpíadas internacio­nais, talvez conseguir um diploma de mérito, está na cabeça de qualquer pessoa que entra nestas provas”, assume. “Quando comecei, lembro-me de achar que toda a gente que ali estava era melhor do que eu. Depois, quando consegui os primeiros resultados, passei a pensar que afinal talvez conseguiss­e alguma coisa. Depois, comecei a querer ver onde chegava.”

Henrique e Manuel não são assim tão diferentes. O que têm em comum e os leva a estarem entre os estudantes do 7.º ao 12.º ano candidatos

participan­tes a nível nacional As Olimpíadas portuguesa­s da Matemática envolvem dezenas de milhares de alunos, que vão passando por diversas eliminatór­ias locais e regionais até à final nacional.

ouros internacio­nais Portugal conquistou dezenas de medalhas nas Olimpíadas Internacio­nais da Matemática, mas apenas três foram de ouro. Duas delas do mesmo aluno: Miguel Santos. a uma das 36 medalhas disponívei­s, numa competição que começou com mais de 40 mil participan­tes – todos eles excelentes alunos a Matemática – é aquela aptidão inata a que podemos chamar talento. O que os move, mais do que competição com os outros, é a vontade de continuare­m a testar os próprios limites. Contas desde o pré-escolar Ambos começaram a aprender matemática por iniciativa própria muito antes de chegarem à escolarida­de obrigatóri­a. “Muitos dos meus colegas do pré-escolar gostavam de desenhar. Eu, talvez porque sempre tive algumas dificuldad­es nessa área, virei-me para os números e para as letras. Ultimament­e são mais os números”, conta Manuel.

“Os meus pais não são da área, não é uma coisa que me tenham tentado incutir”, acrescenta Henrique. “Sempre gostei de matemática. Ao início, como tenho um irmão mais velho, pedia-lhe para me explicar algumas coisas. Depois continuei a querer aprender.”

Significa isto que a Matemática é fácil para eles? Depende. Na escola, assumem, nunca sentiram dificuldad­es de maior. Mas nas provas das Olimpíadas o desafio é elevado a outros patamares. E não há genialidad­e ou talento que chegue. É mesmo preciso trabalhar muito. Antes e durante o desafio.

“Lembro-me de que da primeira vez que olhei para os problemas, na primeira prova em que participei, pensei: “Nunca vou conseguir resolver isto”, confessa Manuel. “Nas provas da escola, quando olhamos para as perguntas, sabemos a que áreas estas dizem respeito e como se resolvem os problemas dessas áreas. Nestas provas há muito menos informação. São três perguntas para provas que chegam a durar quatro horas, e nós fazemos o resto”, acrescenta, arriscando usar a palavra “criativida­de” para descrever o esforço que é exigido aos participan­tes.

“Nas provas da escola as coisas são um pouco mais mecânicas. Aqui, é claro que é preciso perceber para conseguir resolver o problema. É preciso fazer bem todos os passos”, explica Henrique. “Mas muitas vezes para resolver é preciso ter uma ideia nova.”

A experiênci­a de participaç­ões antigas é uma vantagem na altura de preparar uma prova. Há conteúdos de edições anteriores que podem ser consultado­s online, a própria Sociedade Portuguesa de Matemática, com a Universida­de de Coimbra, organiza estágios do projeto Delphos para preparar os finalistas (ver entrevista) e há muita troca de informação entre os participan­tes. “Acabamos por nos conhecer todos e vamo-nos ajudando uns aos outros”, confirma Manuel.

Na altura das finais, no entanto, o desafio é solidário. E a experiênci­a não chega para garantir o sucesso. “Às vezes ficamos nervosos. Às vezes ficamos presos a uma ideia e ela não funciona. É sempre difícil sair de uma ideia”, conta Henrique. Provas perfeitas Olhando para o currículo de Miguel Moreira, atual estudante de Matemática Aplicada e Computa-

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