Diário de Notícias

Os segredos e as histórias por trás das obras de Paula Rego

A série dedicada à depressão, de 2007, é exposta pela primeira vez em Portugal, numa exposição biográfica da artista, em Cascais

- MARIA JOÃO CAETANO

Há três “sereias que voam” penduradas no teto. Um polvo de pano, enorme, num canto do sofá. Desenhos colados com fitacola nas paredes, entre fotografia­s antigas da família. Em cima da secretária, um livro sobre animais, aberto nas páginas dedicadas aos morcegos, com ilustraçõe­s pormenoriz­adas das suas asas. Bonecos. Um cavalete. Um cabide com roupas coloridas. Pincéis. Lápis de carvão. Não estamos no verdadeiro ateliê de Paula Rego, em Londres, mas numa reconstitu­ição desse espaço de trabalho que faz parte da exposição Paula Rego: Histórias & Segredos, que a Casa das Histórias, em Cascais, inaugura hoje. O filho, Nick Willing, explica que trouxe uma arca cheia de coisas da mãe. Não cheira a tinta mas podemos facilmente imaginar Paula Rego a trabalhar ali.

A exposição, com curadoria de Nick Willing e Catarina Alfaro, tem o mesmo título do documentár­io realizado por Nick que está em exibição desde ontem nos cinemas nacionais e no qual Paula Rego conversa com o filho sobre tudo. A vida e a obra, memórias e sonhos.

“Todas as obras da minha mãe são pessoais. E todas têm um segredo. O segredo é a história pessoal de cada quadro, o motivo pelo qual ela o fez. É o segredo que dá mais poder à obra”, conta. “Ao fazer o filme, descobri muitos segredos que não sabia, por exemplo sobre a timidez ou a depressão da mãe. Ainda me falta saber muitos outros segredos, alguns eu não quero saber”, ri-se.

Esta ideia, de que conhecer a vida de Paula Rego é a chave para enten- der a sua obra, foi também o ponto de partida para conceber a exposição que faz uma viagem cronológic­a pela obra da artista, começando com os quadros da juventude, ainda antes de Londres, e as primeiras memórias da Slade School of Fine Art onde Paula Rego estudou – e odiou, como se pode comprovar numa carta que escreveu à mãe a 15 de janeiro de 1954, que está exposta numa vitrina: “A Slade continua uma porcaria, as pessoas lá irritantes e malcriadas.”

Todo o percurso é acompanhad­o por citações da artista retiradas do filme ou de outras fontes, fotografia­s ou outros documentos. Há uma sala dedicada ao seu marido, Vic Willing, também ele artista: “Ele era muito exigente e quando não ficava satisfeito deitava a tela fora. Mas as telas eram caras, então, a minha mãe virava-as e usava-as”, conta Nick, mostrando a obra Banho Turco que tem por trás um retrato de Paula feito por Vic.

Entre as cerca de 80 peças expostas, há algumas menos conhecidas – como o retrato que a artista fez do seu pai, José Figueiroa Rego, em 1956 – e há outras muito conhecidas – como O Pescador, a série dedicada ao aborto, as “mulheres-cão” ou as do Crime do Padre Amaro. E há uma sala muito especial, e que por isso tem as paredes pintadas de roxo, onde estão as 12 obras da série “Depressão”, criadas em 2007. “A minha mãe teve uma depressão. Lembro-me que ela ficou muito magrinha”, conta Nick. “A maneira que ela teve de se curar foi desenhando. Fez estes desenhos e depois guardou-os numa gaveta e fechou-a à chave. Nunca mais a abriu porque tinha medo que se a abrisse a depressão voltasse. E também tinha vergonha de se sentir assim.” Só há pouco tempo Paula Rego falou abertament­e sobre este assunto. Depois de no mês passado terem estado expostos em Londres, esta é a primeira vez que estes quadros podem ser vistos em Portugal. “A minha mãe acha que é muito importante falar da depressão, que não se deve ter vergonha. E é por isso que quer mostrar estas obras.”

Por motivos de saúde, Paula Rego não veio a Lisboa, como estava previsto. “A Paula Rego está ótima de cabeça mas está muito fraca, com problemas de saúde”, explica NickWillin­g. Problemas de coração que a impedem de viajar mas não de trabalhar. “O que ela gosta é de ficar no estúdio a tentar fazer uma obra melhor, sempre a tentar fazer melhor, é o que ela quer.”

A exposição tem cerca de 80 obras, incluindo pinturas da juventude, nunca antes expostas. E há uma recriação do ateliê de Paula Rego

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Nick, filho de Paula Rego, mostra os quadros da série “Depressão” durante a montagem da exposição

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