Anões foram os palhaços
Intensa, tocante, comovedora. Eis como se nos revelou Der Zwerg, de Zemlinsky, em cena no São Carlos e dada pela primeira vez no nosso país. Desde que assoma ao palco, é o Anão que domina a ópera – um Heldentenor ao nível dos wagnerianos – e Peter Bronder, mais que dominar, arrebatou por completo o papel. A Infanta (Sarah-Jane Brandon) é um “falso” papel protagonista,“permitindo” (com a cantora certa) à camareira-mor Ghita tomar-lhe a dianteira: loas, pois, a Dora Rodrigues, por o ter conseguido! Gostámos menos da caracterização do Mordomo (Nuno Pereira, bem vocalmente), por se nos afigurar pouco coerente (demasiado ligeira). As três criadas estiveram bem, cénica como vocalmente. Mas estrela ao nível do Anão e de Bronder só a música e a orquestração da obra (excelente trabalho da Sinfónica Portuguesa e Martin André): misto de hiper-romantismo, simbolismo, expressionismo; afim do universo d’A Canção da Terra mahleriana, de uma expressividade oscilando entre a alusão e o paroxismo, a primeira quase como repouso. Nesta esfera se move toda a encenação de Nicola Raab, toda ela dominada por uma dramaturgia cromática, até à aparição (destruidora de toda a inocência/ilusão) do enorme espelho fosco, onde o Anão acabará por soçobrar. Ombreando no cartaz com tal partitura, a famosa pequena ópera Os Palhaços parece realmente bem pequena. Encenação de Rodula Gaitanou simples e engraçada, explora o teatro-dentro-do-teatro e ambos com vidas humanas dentro. Mas libreto e inventiva musical (tanto cliché...) empalidecem ante O Anão. O Canio de Peter Auty esteve inadequado (timbre muito desgastado); a Nedda de Norah Amsellem só no dueto “acordou”; inadequado ainda C. Guilherme como Peppe, Thomas Lehman bem para Silvio (mas canastrão), o melhor: o Tonio de Igor Gnidii.