Diário de Notícias

A Bicicleta Que Tinha Bigodes, de Ondjaki, ganha vida em palco

Companhia de Atores une o palco a uma oficina de escrita criativa onde todos entram. Uma peça para todas as idades em que, até junho, o público é convidado a fazer parte da peça

-

ANA CARREIRA Para ganhar a bicicleta, o menino precisa de escrever a melhor história. Tem de convencer o júri do concurso da Rádio Nacional para aquele brinquedo tão especial ser seu. E agora como vai conseguir?

Um espetáculo criado a partir do livro A Bicicleta Que Tinha Bigodes, de Ondjaki, escritor angolano galardoado (na categoria juvenil) com o prémio Jabuti de Literatura – um dos mais importante­s galardões literários brasileiro­s –, que conta as aventuras do menino na procura da melhor história para conseguir o seu brinquedo preferido. Entre várias peripécias, tenta fazê-lo a qualquer custo, pede ajuda a toda a gente, desde a amiga Isaura até ao Tio Rui, escritor de poemas e morador da sua rua. Através da amizade, os personagen­s alcançam a ternura da infância, numa cidade e num tempo em que, volta e meia, falha a luz. Numa Angola a renascer, a inspiração reencontra o caminho na beleza das estrelas e no receio do escuro.

É neste cenário mágico que os atores Cláudia Semedo e Igor Regalla convidam os mais pequenos a construir em conjunto o conto vencedor, num momento envolvente e interativo de escrita coletiva. Mais do que meros espectador­es dum espetáculo teatral, pretende-se estimular a criativida­de e brincar com o imaginário do público infantil, com a ajuda das letras, dos sonhos e dos sons.

“É uma peça muito especial também para os adultos, fala das traquinice­s, da infância, da dimensão de ser criança, e tem uma ligação muito forte à sabedoria dos mais velhos, contra a velocidade que se vive hoje em dia”, diz-nos Cláudia Semedo, atriz e diretora da Companhia de Atores que veste a pele de Isaura, a amiguinha do menino, apaixonada por bichos e que sabe todos os segredos dos bigodes do Tio Rui. A caixinha mágica A atriz e encenadora Sara Gonçalves, familiariz­ada com a poesia do escritor angolano, conheceu o texto em 2012 e pensou logo em adaptá-lo para o palco. A primeira apresentaç­ão aconteceu no FIAR (Festival Internacio­nal de Artes de Rua), em Palmela, e foi numa adega que encontrou o improviso necessário para soltar a sua bicicleta com bigodes, numa adaptação muito artesanal. Em reposição desde dia 2 de abril, agora no Teatro Municipal Amélia Rey Colaço, o cenário continua a ser simples e com baixa luz, envolto numa musicalida­de muito especial. “Embora não tenha música, a parte sonora, visual e artística é muito importante. É uma peça feita de silêncios também, como se fosse a construção de uma música a quatro dimensões”, revela ao DN. E depois há personagen­s do livro que se escapulem para o palco mas que são vidas reais lá fora, elementos autobiográ­ficos de Ondjaki. “A avó 19 existe e o Tio Rui também, aliás, o Tio Rui é o escritor angolano Manuel Rui que também tem barbas. E das barbas do tio Rui saem as letras para a história”, conta a encenadora.

As letras, a poesia e a palavra têm aqui uma singularid­ade única, num tributo à criação e à imaginação de pais e filhos. O público é convidado a entrar na peça, cada um tem direito à sua caixinha de surpresas, em que pode estar areia, letras, estrelinha­s, brinquedos ou pós mágicos. O que se pretende é que todos embarquem na aventura de escrever uma história. “Os pais adoram porque é uma peça que fala ao coração.”

O menino que quer a bicicleta continua sem nome próprio na peça, mas cabe-lhe a missão de ser o narrador da história e o portador do sonho de brincar. “É uma peça que se foca na amizade e na aceitação do outro como ele é, numa disponibil­idade para a diferença que também é intergerac­ional, neste evocar de sabedoria e segurança por parte dos mais velhos passado para os mais novos.” A classifica­ção é para maiores de 6 anos, mas Sara Gonçalves considera que o guião abarca todas as idades.

“Cada um de nós continua a transporta­r a sua infância, e é sempre uma preocupaçã­o minha falar para todos, adultos e crianças”, refere a encenadora.

A BICICLETA QUE TINHA BIGODES

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal