Diário de Notícias

Depois de Luanda e Madrid, fui para Paris, e foi uma desilusão. Não houve golpes de estado, as instituiçõ­es democrátic­as mantiveram-se [risos]

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A vida de ministro da Cultura não deve ser tão calma como em certos sítios onde esteve como diplomata. Embora possa dizer que quando esteve como cônsul no Rio de Janeiro tinha a casa aberta, não é? O Palácio de São Clemente, onde era a Embaixada de Portugal, foi construído no final dos anos 1950/60 e é um edifício lindíssimo. É um edifício de arquiteto português, escultores portuguese­s, pintura portuguesa – belíssimo. Em 1961, a capital mudou para Brasília mas a nossa embaixada só mudou em 1972 para Brasília (em 1972 ou 74, agora não tenho a certeza)… Com um belo edifício de Chorão Ramalho. Sim, uma bela chancelari­a. E pensou-se: “Para que vai servir este palácio no Rio de Janeiro uma vez que é apenas um consulado geral?” Como o palácio foi mantido, a ideia que tivemos – e antes de mim um antecessor meu, já falecido, o José Guilherme Stichini Vilela – foi transforma­r o palácio num centro cultural permanente não apenas para a cultura portuguesa mas para os brasileiro­s, para os cariocas, para os meus amigos do Rio. Tivemos lá lançamento­s da TV Globo, o lançamento da novela Os Maias, com o Mário Vieira de Carvalho a explicar a música d’Os Maias, o Carlos Reis a dar cursos aos atores da Globo sobre a densidade das personagen­s. Fazíamos lá concertos semanais, lançamento­s de livros, e tornámos o palácio, penso eu e acho que não estou a ser imodesto, uma referência na cultura do Rio de Janeiro. Há uma outra grande referência da cultura portuguesa no Rio de Janeiro que é o Real Gabinete Português de Leitura, que também terá novidades, mas isso são os Negócios Estrangeir­os... Vai haver novidades? Deixe o meu colega dos Negócios Estrangeir­os, mais tarde, falar sobre isso. Respeito muito as competênci­as dos meus colegas. A sua vida diplomátic­a começou com dois grandes sobressalt­os: foi para Luanda quando abriu a primeira embaixada e houve o golpe de Nito Alves; e depois foi para Madrid e houve o golpe de Tejero de Molina. Não voltaram a acontecer-lhe coisas assim? Foram os meus dois primeiros postos. Depois fui para Paris, e Paris, nesse aspeto, foi uma desilusão... Não houve nenhum golpe de Estado em França, as instituiçõ­es democrátic­as mantiveram-se. Angola foi uma experiênci­a muito especial, porque eu tinha... enfim, tínhamos saído do PREC, em que eu era muito novo... E esteve muito envolvido. Estive, com o Melo Antunes, com quem trabalhei. Era também ligado ao Jorge Sampaio, ao Grupo de Intervençã­o Socialista; sou um ex-MES sem ter sido MES. Foram realmente dois momentos fortes: esse de Angola, o golpe do Nito Alves, e o golpe do Tejero. Se quiser posso contar histórias sobre esse tempo, mas não sei se tem tempo. Não temos tempo hoje, não, mas a propósito pergunto-lhe: tem tempo para escrever? Cada vez menos, mas não é o tempo de trabalho, é a disponibil­idade mental. Enquanto fui chefe de gabinete de um membro do governo Guterres, escrevi imensos livros e tinha imenso trabalho! Mas o trabalho, quando se está deste lado, quando se é responsáve­l, é diferente. Há uma tensão. Não para, a cabeça não para. Portanto, não tenho tido disponibil­idade para escrever. Espero voltar a ter. Até antes de sair do governo, espero voltar a escrever. De qualquer modo, já agora aproveito para fazer publicidad­e – se calhar não devia –, mas para o ano, em 2018, daqui a um ano, devo lançar as minhas poesias reunidas. Não serão completas, porque espero não morrer. Há muita coisa que está esgotada. Neste momento, só tenho três livros no mercado e queria recuperar tudo isso e fazer uma edição da poesia reunida.

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