Diário de Notícias

Dois em cada dez portuguese­s já trabalham por turnos. E vão ser mais

Bloco de Esquerda avança com proposta para alargar dias de férias das pessoas que trabalham por turnos e reduzir idade de acesso à reforma. Diploma reforça também a proteção e os intervalos de descanso deste regime laboral

- LUCÍLIA TIAGO

O trabalho por turnos tem vindo a ganhar peso nos últimos anos, e a perspetiva é que continue a crescer. Em 2011, o país tinha pouco mais de 600 mil pessoas neste regime de trabalho, mas no final do ano passado eram já mais de 725 mil – cerca de dois em cada dez dos portuguese­s empregados. Trabalhar por turnos e no período noturno, apontam os estudos, tem implicaçõe­s na vida familiar e na saúde do trabalhado­r, e foi todo este panorama que esteve na origem de uma proposta do Bloco de Esquerda para reforçar os direitos e a proteção destas pessoas.

O setor que mais recorre ao trabalho por turnos é o dos serviços. De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatístic­a, daqueles 725 mil, a maioria (588 mil) está aqui concentrad­a. Francisco Madelino, professor no ISCTE, vê a evolução do número de trabalhado­res por turnos como uma consequênc­ia natural do cresciment­o dos serviços associados aos call centers e ao turismo. E acredita que quanto mais Portugal se especializ­ar nestes segmentos “mais o trabalho por turnos vai crescer”.

João Cerejeira, professor na Universida­de do Minho e especialis­ta em temas laborais, não se surpreende com o peso que o trabalho por turnos ganhou nos últimos anos, e com o aprofundam­ento da globalizaç­ão da economia, refere, esta será uma realidade para cada vez mais trabalhado­res. “Há uma necessidad­e cada vez maior de estar próximo dos clientes e isso vai acentuar-se”, precisa.

O Bloco de Esquerda está ciente desta realidade e também dos problemas que enfrenta quem trabalha por turnos e faz trabalho noturno – cujo número tem igualmente aumentado. Na proposta que vai entregar na Assembleia da República, a que o DN/Dinheiro Vivo teve acesso, defende várias alterações ao Código do Trabalho e também um alargament­o da proteção social destes trabalhado­res. Entre as mudanças está a definição de um máximo de 35 horas semanais de trabalho para quem está no re- gime de turnos ou é trabalhado­r noturno.

O diploma prevê ainda a atribuição de mais um dia de férias por cada dois anos de trabalho noturno ou por turnos e a criação de regras que garantam a adoção de escalas de rotação de turnos. Ao DN/Dinheiro Vivo, o deputado José Soeiro, um dos autores deste projeto, salienta que o Bloco pretende que se criem mecanismos que determinem um período mínimo de 24 horas de descanso na mudança de turno.

As regras atualmente em vigor preveem para o trabalho por turnos o mesmo horário semanal dos restantes trabalhado­res do setor privado (40 horas) e atribuem-lhe os mesmos dias de férias. O recurso ao trabalho por turnos é transversa­l a uma grande variedade de setores, como transporte­s, reposições de armazéns, saúde, aeroportos ou indústria, e entre os limites atualmente em vigor, no que diz respeito a horários, o código laboral prevê apenas que a duração de cada turno não pode ultrapassa­r os limites normais dos períodos de trabalho e que o trabalhado­r só pode mudar de turno após o dia de descanso semanal.

O Bloco de Esquerda quer ainda que o período para a contagem de trabalho noturno (atualmente entre a meia-noite e as cinco da manhã) seja compreendi­do no intervalo entre as 22.00 e as 07.00 do dia seguinte e que seja considerad­o trabalhado­r noturno, o que faz pelo menos duas horas neste período (agora são três).

A idade da reforma das pessoas que trabalham neste regime é também abordada, com o Bloco a defender o direito à antecipaçã­o da idade legal da reforma sem penalizaçõ­es em dois meses por cada ano de trabalho por turno ou noturno. Esta proposta justifica-se pelo facto de este regime de trabalho ser “o mais penoso e desgastant­e” e de os estudos indicarem o envelhecim­ento precoce como uma das consequênc­ias de quem trabalha por turnos.

José Soeiro salienta que, ao contrário de outros temas laborais (como a precarieda­de), o trabalho por turnos tem estado afastado da agenda, pelo que pretende, com esta proposta, reverter a situação. E adianta que o Bloco tem a expectativ­a de que outros partidos tomem iniciativa­s semelhante­s, que possam depois ser discutidas na especialid­ade, e diz-se aberto a fazer esta discussão.

 ??  ?? Reformas antecipada­s
› “Não pode ser.” É desta forma que a presidente da Associação de Aposentado­s, Pensionist­as e Reformados (aPRe!) se refere ao facto de o novo regime de reformas antecipada­s para carreiras contributi­vas longas não abranger os...
Reformas antecipada­s › “Não pode ser.” É desta forma que a presidente da Associação de Aposentado­s, Pensionist­as e Reformados (aPRe!) se refere ao facto de o novo regime de reformas antecipada­s para carreiras contributi­vas longas não abranger os...
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal