Diário de Notícias

Brilhou no Boavista, assinou pelas águias no dia em que devia ser leão e fez-se referência do Sp. Braga. Hoje, em Sequeira (Minho) trata da horta e espera pela reforma

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Jorge Gomes foi o primeiro estrangeir­o a jogar no Benfica. Uma “honra” que podia não ter tido lugar na história. Chegou a Lisboa em 1974, em plena revolução, e acabou por brilhar no Boavista, fazer história no clube da Luz e tornar-se mais tarde uma referência no Sp. Braga. “Quando ia embarcar para Portugal vi na televisão os tanques de guerra na rua, fiquei com medo e adiei a viagem. O representa­nte do Boavista que me tinha ido buscar ao Brasil apareceu para me levar mas estava apavorado e pensei: ‘Não vou para a guerra e fugi para casa de um amigo, em Campos dos Goitacazes, mas fui encontrado pelo empresário e ainda bem, porque depois percebi que era uma revolução pacífica”, contou ao DN o brasileiro, que vive atualmente em Sequeira (Braga).

Aos 62 anos, e enquanto espera pela reforma, Jorge dedica os tempos mortos do dia a tratar da horta. “Tenho um quintal e gosto de plantar coisas para comer. Estive agora a plantar os tomates...”, revelou o antigo jogador do Benfica, agora adepto e jogador de fim de semana dos veteranos do Sequeirens­e Futebol Clube (Braga).

Depois de deixar de jogar (2002, no Terras de Bouro) tirou o curso de treinador e chegou a orientar as escolinhas do Maximinens­e: “Depois investi em escolas de futebol no Minho. Eu e mais dois colegas brasileiro­s. Chegámos a ter três, estava a correr bem, mas depois desisti daquilo, não estava a ter o rumo que eu queria. Agora estou à espera da reforma, sou pai e avô e agricultor nas horas vagas.”

Jorge Gomes nasceu no Rio de Janeiro e jogou no Vasco da Gama, mas não mais quis voltar ao país onde nasceu. Veio para ficar seis meses e ficou mais de 40 anos. “Quando jogava, tinha dois meses de férias e não as terminava no Brasil, ficava um mês e depois voltava para Portugal. Fui ficando, e agora o meu fim vai ser em Portugal.”

Em campo era “temperamen­tal” e “talvez um pouco indiscipli­nado, fera mesmo”, agora define-se como “tranquilo e caseiro”. Por isso, gosta mais da tranquilid­ade e pacatez da “terrinha”, como os brasileiro­s apelidam Portugal, do que do Rio que o viu nascer. Tinha fama de “pagodeiro” e admite que gostava de sair à noite, beber a sua cervejinha e dançar um bom samba: “Mas em campo dava tudo, ninguém me podia acusar de nada, como disse o Quinito uma vez, em Braga, se houvesse mais como eu seríamos campeões.”

Hoje vive em Sequeira (Braga), é casado com uma brasileira filha de portuguese­s emigrantes no Brasil, tem seis filhos, um deles profission­al de andebol no ABC. “O André [Gomes] é filho da minha atual mulher, estamos muito orgulhosos dele, e tem mais cinco irmãos de outras relações. Um está em Lisboa, outro em Barcelos, uma no Porto, um no Brasil...”, conta o “bom malandro”, agora com a sabedoria da vida : “Naquela altura nós não pensávamos, era novo e as coisas foram acontecend­o.” Benfica com Sporting pelo meio Chegou de jeans e T-shirt, em 1974. E a primeira coisa que fez quando chegou ao Porto foi comprar roupa: “Levaram-me à Rua de Santa Catarina para comprar roupa para o frio, camisola de gola alta... eu não gostava nada, depois habituei-me.”

No “Boavistão” ganhou uma Taça de Portugal e brilhou ao ponto de se mudar para o Benfica. “O João Rocha (então presidente do Sporting) já tinha tudo acertado com Valentim Loureiro para eu ir para o Sporting e combinámos um encontro no aeroporto de Lisboa, para assinar contrato, antes de eu viajar para o Brasil. De repente, em vez do João Rocha, apareceu lá o Romão Martins, que era diretor do Benfica. Nunca percebi o que aconteceu. Não sei mesmo. A única pessoa que pode explicar é o Valentim Loureiro [risos]”, atirou Jorge Gomes.

Mas assinou na mesma? “Assinei pois. Eu cheguei lá e não encontrei ninguém do Sporting e sim do Benfica, assinei e segui viagem”, respondeu. Foi para o Brasil já com contrato assinado com o Benfica “e sem saber, na altura, que seria o primeiro estrangeir­o” a pisar a relva da Luz: “Quis Deus que assim fosse.”

Por essa altura, em julho de 1978, a assembleia geral do Benfica aprovou a contrataçã­o de jogadores estrangeir­os, depois de um primeiro chumbo. Jorge Gomes foi contratado e represento­u as águias durante três épocas, entre 1979 e 1982 – marcou 12 golos em 59 jogos. A estreia foi num Benfica-Vit. Setúbal (5-1), quando entrou para o lugar de Chalana: “Eu não era mau jogador, mas ele era um senhor do futebol, um fora de série e as pernas tremeram JORGE GOMES › Nasceu no Rio de Janeiro (Brasil) a 18 de maio de 1954 (62 anos). › Clubes representa­dos: Vasco da Gama, U. Lamas, Boavista, Benfica, Sp. Braga, Fafe, Águeda e Terras de Bouro. › Jogava a avançado e foi o primeiro jogador estrangeir­o da história do Benfica (chegou à Luz em 1979). Em Portugal ganhou um campeonato nacional e três Taças de Portugal. um pouco, mas depois passou.”

Tinha sido indicado por John Mortimore, mas entretanto o inglês saiu e entrou Mário Wilson. “Deu-me oportunida­des, mas havia o Nené, Reinaldo, depois o César, o segundo brasileiro... Eu brilhei mais no Boavista e foi por isso que fui para o Benfica”, contou Jorge, que à custa de trocar os leões pelas águias ouviu das boas nos dérbis: “Era sempre muito assobiado e chamavam-me traidor e tal.. ainda me lembro, não fui o primeiro nem serei o último.”

Pouco utilizado na Luz, acabou por se mudar para o Sp. Braga, onde acabou por se tornar uma referência do futebol minhoto. Estas são apenas algumas das histórias que vai contando aos netos.

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