Diário de Notícias

ANTÓNIO BARRETO, PEDRO MARQUES LOPES, BERNARDO PIRES DE LIMA E JOÃO TABORDA DA GAMA

- POR ANTÓNIO BARRETO Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfic­o.

Mais um dia péssimo para a Justiça! Mais um dia mau para Portugal! O despacho de arquivamen­to dos processos contra Manuel Dias Loureiro e Oliveira e Costa, exarado pelo Ministério Público, é um exemplo de vício moral e insídia, incompatív­el com o mais simples sentimento de justiça. As acusações incluíam corrupção, fraude fiscal e branqueame­nto de capitais e estariam relacionad­as com o processo BPN, cuja duração ultrapassa os sete anos. O que já foi tornado público desse despacho revela que o Ministério Público não tem provas, não consegue fundamenta­r as suas acusações e não tem evidência para levar os arguidos a julgamento. Em vez de simplesmen­te arquivar, os autores do despacho tecem consideraç­ões sobre os comportame­ntos dos arguidos, revelam as suas suspeitas, declaram as suas intuições e referem a experiênci­a comum das pessoas para reafirmar a sua convicção de que os arguidos são culpados. Só que... não têm provas nem conseguem demonstrar a culpa! Isto não é justiça!

A crise financeira tem trazido más notícias e sucessivos desastres. Primeiro, transformo­u-se em crise económica, social e política. Depois, em crise global e do Estado de direito. Mas a crise não serve para explicar e desculpar tudo, falcatruas, roubos, favoritism­o, corrupção e má gestão. É indispensá­vel encontrar responsáve­is. A começar em decisões sem fundamento, erros involuntár­ios ou deliberado­s de administra­ção pública ou privada e gestão danosa. A passar pelas culpas de crimes de roubo, enriquecim­ento ilícito, corrupção, branqueame­nto, fraude fiscal, falsificaç­ão, contraband­o e ocultação. E a acabar pelos culpados de erros ou incompetên­cia não só dos ladrões, mas também dos polícias e dos magistrado­s. De tudo isto era necessário que soubéssemo­s mais. Que os processos fossem conduzidos com meios e diligência, sem ferir os direitos dos cidadãos. Que os criminosos fossem julgados com prontidão. Que os maus gestores fossem expostos. Que os culpados por delapidaçã­o dos bens

O despacho de arquivamen­to dos processos contra Dias Loureiro e Oliveira e Costa, exarado pelo Ministério Público, é um exemplo de vício moral e insídia, incompatív­el com o mais simples sentimento de justiça

comuns fossem afastados de funções equivalent­es e pagassem pelo que fizeram. E que os inocentes fossem em paz. Tudo isto era indispensá­vel ser feito em tempo útil e em respeito pelos cidadãos. E quando o Ministério Público ou os magistrado­s não conseguem provar, não têm meios, não sabem investigar e são incompeten­tes para acusar, então calem-se! Arquivem e calem-se! Não denunciem covardemen­te.

Quem decidiu o quê, no governo, nas instituiçõ­es públicas, nos bancos e nas empresas? Quem é realmente responsáve­l pela perda de valor da ordem de milhares de milhões? Quem é responsáve­l pelo desvio de fortunas destinadas a enriquecer alguns? Quem decidiu dar crédito a quem não devia? Que decisões de crédito foram meros erros de cálculo e cujo castigo, por incompetên­cia, deveria ser o afastament­o dos responsáve­is? Que decisões de crédito foram erros deliberado­s para beneficiar amigos e clientes e cujo castigo deveria ser penal? Que decisões de crédito foram especialme­nte desenhadas para defraudar as instituiçõ­es e beneficiar os próprios, seus familiares, amigos e clientes?

Goste-se ou não, o apuramento de responsabi­lidades é essencial para o futuro da democracia. Porque é essa a única maneira de respeitar os inocentes e os direitos de todos. Porque é esse o único modo de fundar uma sociedade decente. Ora, o que se vê, com mais este despacho infame e, antes dele, com a existência de arguidos durante anos à espera de pronuncia sem julgamento, com processos que duram anos e não chegam ao fim, com condenados que não são presos porque vivem de recursos e de chicanas jurídicas, com escutas abusivas, com destruição indevida de escutas e com fugas premeditad­as de matéria em segredo de justiça, com tudo isso e muito mais, sofre o último reduto da nossa liberdade que é o Estado de direito.

Com a crise, perdemos riqueza e oportunida­des. Perdemos rendimento e igualdade. Mas parece estarmos sobretudo a perder a Justiça.

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