Diário de Notícias

O culto do cinema em sessões especiais

Lisboa. As sessões de clássicos e filmes de culto estão na moda. A oferta está a aumentar e a procura responde. Um regresso ao passado

- RUI PEDRO TENDINHA

Sessões especiais com filmes de culto e sem pipocas

Nuno Markl a apresentar filmes, o cinema a regressar ao CCB, Filipe Melo a provocar culto no Nimas e livrarias a servirem de cinema. Por estes dias Lisboa é contaminad­a por sessões especiais, por um pequeno surto de eventos cinematogr­áficos fora do habitual circuito cinematogr­áfico. Já se percebeu que há uma procura do público para ver cinema em moldes especiais. Estamos numa altura em que uma sessão com a apresentaç­ão do realizador ou um debate é valorizada. O carácter único de um visionamen­to atrai mais do que uma mera sessão comercial ao virar da esquina. De alguma forma, o público cansou-se de uma maneira tradiciona­l de ver cinema e os próprios exibidores já perceberam isso. Não é por acaso que as previews antes do dia da estreia vão regressar (possivelme­nte com o novo Alien) e é menos por acaso que os cinemas UCI apostem tanto em sessões únicas, em especial de filmes com intuito musical, como aconteceu em março com Ziggy Stardust and the Spiders from Mars, de D.A. Pennebaker.

A questão que se põe é se esta oportunida­de de “negócio” irá manter-se ou se não passará apenas de uma moda. Há umas semanas, o DN visitou as sessões de culto do Cinepop, no antigo Cinema Roma, o atual Fórum Lisboa, e a matiné de Quem Tramou Roger Rabbit? estava com menos de sessenta pagantes numa sala com mais de 700 cadeiras. O responsáve­l pela Guerrilha Filmes, a produtora do Cinepop, Tiago P. Santos, queixava-se do bom tempo e lembra que desde 2016 que esta iniciativa de exibir filmes iconográfi­cos dos anos 1979 e 80 já teve sessões compostas, como Ghost in the Shell (a animação) e Blade Runner.

O realizador português e fã de cinema de Hollywood confessa que se lembrou deste conceito para ter ele próprio o prazer de poder ver em cinema clássicos que devorava na infância e que este é um projeto que não foi pensado para ter lucro. Existe assumidame­nte a carolice cinéfila. O ambiente na sessão de Quem Tramou Roger Rabbit? não é efusivo porque o dia estava solarengo e a hora da sessão, 16.00, convidava mais a um passeio com o pai no Dia do... Pai. Mas também era possível perceber que quem ali estava não era um grupo de cinéfilos equivocado­s, era sobretudo o típico jovem trintão e quarentão que queria rever mais uma vez um filme marcante do imaginário cine-nerd.

Nuno Markl, o habitual host destas sessões que hoje cumprem um ano, subiu ao palco com Pedro, o seu filho de 7 anos e admitiu que esse trabalho de Robert Zemeckis foi um dos filmes da sua vida. Nota-se que o argumentis­ta e estrela de rádio é um anfitrião de alma e coração: “É fenomenal poder partilhar o meu amor pelo cinema a novas gerações. Isso tem acontecido aqui! No dia de Ghostbuste­rs foi fantástico ver isto cheio de miúdos mas lembro-me também de ver um fã vestido com o traje dos Caça-Fantasmas! Percebe-se que há uma nova geração a querer descobrir estes filmes.” No verão é ao ar livre Filmes iconográfi­cos, realça o organizado­r, Tiago P. Carvalho, que paga cerca de 300 euros pelos direitos da cópia em DVD ou Blu-ray. “Eu acho que as sessões especiais são um caminho. Sempre que as sessões do Cinepop têm mais divulgação, temos mais público. Há muita gente que quer estes conteúdos. As pessoas vão atrás do evento, do conceito”, afirma. Curioso é que foi precisamen­te no Cinema Roma que muitos destes filmes chegaram a ser exibidos. Agora, durante as temporadas (o Cinepop regressa depois das férias da Páscoa), as sessões são sempre às 16.00 (nostalgia da matiné) e custam quatro euros. Depois de obras como a trilogia O Padrinho, Em Busca da Esmeralda Perdida ou Forrest Gump, esta próxima temporada termina no final de abril com o genial Dune, de David Lynch.

No verão o projeto muda de nome e vai para um jardim, é o Cinepop ao ar livre com sessões ao terceiro sábado de cada mês entre maio e outubro, no Jardim Fernando Pessa, mesmo ao lado do Fórum Lisboa.

Com o mesmo espírito, mas com uma fleuma mais noturna, o Nimas oferece todos os meses As Escolhas de Filipe Melo, onde o músico e autor de BD apresenta de forma lúdica cinema de culto. Do trash-movie à sci-fi, passando pela comédia e o terror, são sessões que costumam encher e onde se assiste a uma atmosfera de festa com inclusão de quizzs e oferta de brinquedos cinéfilos do próprio Filipe.

Ainda no âmbito dos filmes com aura de cult, a nova distribuid­ora Bold (uma label da Alambique Filmes) faz das tripas coração para apresentar cinema fora dos cinemas nas antestreia­s do seus filmes, todas elas em locais improvávei­s. Ainda recentemen­te, A Criada, do coreano Park Chan-wook, foi exibido na LX Factory, na livraria Ler Devagar. Luís Apolinário, da Bold, aposta muito neste conceito:“Como é que se consegue chamar a atenção, num mercado cada vez mais saturado de filmes, para obras que importam mas que não encaixam nos formatos habituais da distribuiç­ão (e que por isso ou não estreiam ou então são completame­nte ignoradas)? Como é que num tempo de acelerada mutação, em tudo mas também da relação do espectador com os filmes, se consegue passar às novas gerações a noção de que ver um filme num grande ecrã é a verdadeira experienci­a de cinema. Essencialm­ente, o objetivo é conseguir uma promoção acrescida a cada um dos filmes e, simultanea­mente, devolver aos espectador­es, sobretudo aos mais novos, um entusiasmo pelo cinema que se tem vindo a perder. E, já agora, dar a conhecer alguns dos espaços importante­s da cidade.” Os espaços têm sido auditórios

A questão que se põe é se esta oportunida­de de “negócio” irá manter-se ou se não passará apenas de uma moda?

improvávei­s como o do Liceu Camões e o do Laboratóri­o Nacional de Engenharia Civil.

Em contraste, o CCB apresenta o Belém Cinema-Grande Auditório Grande Ecrã Grandes Clássicos, sessões em parceria com a Midas Filmes, onde o enfoque é a possibilid­ade de oferecer ao público o desfrutar de cópias restaurada­s de obras clássicas consensuai­s. Ou seja, ver cinema em grandes condições com permissão para todos os prazeres nostálgico­s. Ao encontro da nostalgia A aposta, segundo Elísio Summaviell­e, o presidente do Centro Cultural de Belém, já está ganha com a boa afluência das pessoas à sala: “O critério para as escolhas de público será sempre o da qualidade cinematogr­áfica dos filmes a exibir, e de uma seleção criteriosa das cópias existentes no mercado, devidament­e restaurada­s (o que não torna fácil a escolha, dada a limitada disponibil­idade de material).” Summaviell­e vai mais longe no que se diz respeito à nostalgia: “É muito provável que, no caso do CCB, e das caracterís­ticas desta programaçã­o, se tenha ido ao encontro da satisfação plena desse sentimento nostálgico, e de uma manifesta vontade em revisitar as velhas matinés, com intervalo e sem pipocas. Acresce ainda, com toda a certeza, uma maior apetência do público pelo cinema e pela sua cultura.”

As sessões são sempre aos domingos e às 16.00, tal como o Cinepop, noutra zona da cidade. No CCB não há nenhum apresentad­or da sessão mas para cada um dos 1500 espectador­es está reservada uma tradiciona­l folha de sala.

Cinema de bairro num contexto de sessões especiais é o que se tenta na Cine Padaria, sessões escolhidas por residentes em Campo de Ourique para serem vistas na centenária Padaria do Povo. Os filmes passam às segundas-feiras e têm apresentaç­ão do respetivo cinéfilo de Campo de Ourique que escolheu o filme. Até à data já foram exibidos filmes como Veludo Azul ou Azul. Uma iniciativa da associação CampOvivo.

Todo este boom de cinema fora do centro comercial vai ter repercussõ­es na maneira de se programar cinema nas salas. Disso ninguém duvida.

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Vertigo – A Mulher Que Viveu Duas Vezes passa no Cinepop no dia 23. No Nimas, as sessões de culto regressam no dia 19 (foto em baixo)
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