Jardim, por Alberto João: “O jardinismo pôs a Madeira no mapa”
Memórias. Líder histórico do PSD-Madeira lançou Relatório de Combate, quase 900 páginas de relato de 40 anos de vida política
Há quase dois anos afastado do poder, Alberto João Jardim não esconde a mágoa com que olha para o “seu” PSD-Madeira. Nas memórias ontem lançadas – com o bélico título Relatório de Combate (Publicações Dom Quixote) – são diretas as farpas para o seu sucessor, Miguel Albuquerque, que conquistou o partido contra Jardim.
Depois de lamentar o facto de ter sido designado presidente honorário do PSD-Madeira sem a correspondente cláusula estatutária, lamenta, por exemplo, estar “impedido pelo próprio PSD de, como antigo deputado regional (1976-78), ir às reuniões e jantares dos ex-parlamentares”.
“Muitas pessoas, hoje, ainda não se apercebem do que sucedeu à Madeira, devido à fratura aberta no PSD da Região Autónoma, a par de uma desenvolvida descaracterizarão”, escreveu o homem que mandou no governo regional madeirense desde 17 de março de 1978 a 20 de abril de 2015 – ou seja, 37 anos consecutivos, reeleito com sucessivas maiorias absolutas em oito eleições consecutivas.
O que se passou é que “o poder de facto [ .... ] voltou às forças socioeconómicas do passado, ocultas ou não”. É “um poder que tais forças fingem partilhar com a Oposição, numa camuflagem que poderá sair muito cara ao Povo Madeirense”. E “claro que esta é a situação que interessa a Lisboa, o que aliás várias entidades não escondem . Qualquer cidadão minimamente inteligente se interroga sobre o suicídio de, no PSD-Madei- ra, ser política não unir. Antes, como se constata, se procura a fratura, a divisão interna”.
Jardim assume abertamente que gosta da expressão “jardinismo” com que qualificaram a forma como exerceu o poder – confessadamente pretendendo um “PSD hegemónico” que tornasse o partido mais forte do que “os grupos e interesses” que agora, no seu entender, detêm o poder: “Foi o ‘jardinismo que consolidou uma Autonomia Política depois de cinco séculos de colonialismo, de roubo e de exploração do Povo Madeirense” e, portanto, foi isso que “pôs a Madeira no mapa, quer em questões nacionais e europeias, quer na organização institucional da nossa comunidade emigrante”.
Ao longo das mais de 840 páginas do livro, Alberto João Jardim relata a sua biografia política e as suas impressões das múltiplas personalidades, nacionais e internacionais, com que se foi cruzando. O tom, em geral, é conciliador – longínquo da lógica de conflito que marcou o seu longo consulado.
Fala, por exemplo, do general Carlos Azeredo, que, após o 25 de Abril, dirigiu em nome do poder da república os destinos da ilha (as primeiras eleições regionais foram só em 1976). “Testemunho que, apesar de vários episódios sui generis, Carlos Azeredo é um cidadão com uma formação pessoal elevadíssima, culto, patriota e Militar. [...] A Madeira tem de lhe estar grata pelo contributo que deu à conquista da autonomia.”
Outra figura de referência para o ex-líder madeirense é a do fundador e primeiro líder do partido, Francisco Sá Carneiro: “A verdade é que Portugal talvez fosse hoje muito diferente se Sá Carneiro, um homem que nunca pactuou com o presente sistema político-constitucional, e que era um Estadista da maior competência, não tivesse perecido nessa noite [de 4 de dezembro de 1980”. E “a vida teria corrido melhor para o Povo Madeirense se não fosse esta tragédia da morte de quem era um grande Autonomista rendido à Madeira”.
Também há elogios inesperados, por exemplo ao antigo secretário-geral do PCP Carlos Carvalhas, a quem ofereceu um almoço quando este foi à ilha numa campanha presidencial: “Carvalhas foi simpatiquíssimo, não lobriguei nele um secretário-geral de um partido estalinista.”
O próprio António Guterres – que enquanto líder do PS desencadeou contra Jardim o ataque mais duro de que o “regime” madeirense foi alvo por parte de um protagonista da República, com a célebre acusação de que a Madeira vivia numa situação de “défice democrático” – é alvo de referências simpáticas: “Tive com ele as melhores relações, a Madeira ficou-lhe a dever atenções”, nomeadamente da responsabilidade do seu primeiro ministro das Finanças, “o saudoso e bom” António Sousa Franco.
A quem Jardim não perdoa é a Passos Coelho (embora não lhe refira o nome). Em 2011, nas últimas legislativas regionais que venceria, o PSD-Madeira faz campanha “com o descarado desejo do PSD nacional de eu não registar uma maioria absoluta”. Que, como de costume, reconquistou.