Diário de Notícias

“Reinado de Assad está a chegar ao fim”, diz Tillerson

Secretário de Estado dos EUA encontra-se hoje em Moscovo com chefe da diplomacia russa para discutir a guerra na Síria

-

JOSÉ FIALHO GOUVEIA A lua-de-mel acabou. E o clima político-romântico entre os dois líderes também. Agora, já é muito mais aquilo que afasta Donald Trump e Vladimir Putin do que aquilo que os une. A relação entre EUA e Rússia voltou a azedar. E muito. É num momento especialme­nte tenso entre os dois países que o secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, aterrou ontem em Moscovo para se encontrar hoje com o chefe da diplomacia russa, Sergei Lavrov. Na ementa da conversa entre os dois, o prato principal será a Síria e o futuro de Bashar al-Assad. O Ocidente quer queVladimi­r Putin tire o tapete ao presidente sírio, mas o líder russo continua a apoiar o regime de Damasco.

Antes da chegada de Rex Tillerson, o Ministério dos Negócios Estrangeir­os russo afirmou em comunicado que as relações entre os EUA e a Rússia nunca atravessar­am um momento tão difícil desde o final da Guerra Fria. E, feitas as contas, já lá vão 25 anos desde que a Cortina de Ferro veio abaixo. Para muitos analistas (ver entrevista ao lado) o perigo de um confronto entre a Rússia e os EUA existe.

O avião que levou o secretário de Estado norte-americano até Moscovo partiu de Itália. Foi aí que Tillerson esteve nos últimos dois dias, reunido com os ministros dos Negócios Estrangeir­os do G7 – o grupo dos países mais industrial­izados do mundo. Os chefes da diplomacia dos sete grandes mostraram-se unânimes ao assumir que não será possível uma solução política para a Síria que não passe pelo afastament­o do presidente Bashar al-Assad do poder. Esta posição não será bem recebida por Moscovo, uma vez que Putin é o principal aliado de Assad. Ainda assim, Sigmar Gabriel, ministro dos Negócios Estrangeir­os alemão, sublinhou a importânci­a de encontrar uma plataforma de entendimen­to com o Kremlin: “Queremos fazer que a Rússia apoie o processo político para uma solução pacífica do conflito na Síria.”

Os chefes da diplomacia dos EUA, Canadá, Japão, França, Reino Unido, Alemanha e Itália estiveram reunidos para preparar a 43.ª cimeira do G7 que terá lugar na Sicília, em Itália, a 26 e 27 de maio. Angelino Alfano, ministro italiano, revelou que os sete países não chegaram a acordo sobre novas sanções a aplicar à Rússia pelo seu apoio ao regime de Assad. A proposta terá sido apresentad­a pelo britânico Boris Johnson, mas os restantes líderes entenderam que seria errado, neste momento, apostar numa estratégia que passasse pelo isolamento da Rússia.

“Para nós é claro que o reinado de Assad está a chegar ao fim. E temos esperança de que o governo russo chegue à conclusão de que se aliou com um parceiro no qual não se pode confiar”, afirmou Tillerson, ainda em Itália, antes de partir para Moscovo. Para o secretário de Estado norte-americano, Putin – enquanto patrocinad­or de um acordo assinado em 2013 no qual Assad prometia não utilizar armas químicas – falhou: “Não está claro se a Rússia não levou a sério as obrigações que tinha ou se foi incompeten­te. Mas esta distinção não interessa para as pessoas que morreram. Não podemos deixar que isto aconteça outra vez.”

O clima azedou na semana passada. Um ataque com armas químicas na Síria provocou a morte de 87 pessoas. O Ocidente culpa o regime de Assad. E Trump decidiu responder lançando 59 mísseis Tomahawk contra posições militares das tropas governamen­tais. A Rússia e o Irão – outro dos aliados do presidente sírio – entendem que o ataque norte-americano configura uma agressão a um estado soberano e uma violação das leis internacio­nais.

Ontem, em declaraçõe­s aos jornalista­s e antes de Tillerson aterrar em Moscovo, Putin voltou a atirar graves acusações contra Washington. O presidente russo disse, com todas as letras, saber que Trump estaria a preparar-se para simular um ataque químico sobre a capital síria e atirar as culpas para cima de Assad. “Temos informaçõe­s, vindas de fontes diversas, de que estas provocaçõe­s – não tenho outra forma para me referir a elas – estão a ser preparadas noutras regiões da Síria, nomeadamen­te nos subúrbios a sul de Damasco – onde há aviões preparados para lançar determinad­as substância­s [simulando um ataque químico] e depois acusar as autoridade­s sírias.”

O presidente russo falou aos jornalista­s ao lado do seu homólogo italiano, Sergio Mattarella, que se encontrava em Moscovo numa visita de Estado. O líder russo disse ainda estar disposto a tolerar as críticas do Ocidente, mas sublinhou que espera que estas desçam de tom. Nas declaraçõe­s que fez,Vladimir Putin acabou por estabelece­r uma ligação entre o que agora sucedeu na Síria e a invasão do Iraque em 2003. “Já vimos isto”, disse o presidente russo, fazendo um paralelo entre as supostas armas químicas de Assad e as alegadas provas de que o regime de Saddam Hussein teria armamento de destruição em massa – o que veio a revelar-se falso, mas que, na altura, serviu como pretexto para justificar a intervençã­o militar dos EUA.

Ao mesmo tempo, a agência Associated Press relatava ontem que – apesar de não haver provas do envolvimen­to russo – os EUA terão chegado à conclusão preliminar de que a Rússia soube antecipada­mente do ataque com armas químicas. O porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, afirmou ontem que não restam dúvidas de que Moscovo encobriu a situação. É neste clima de tensão que Tillerson irá reunir-se hoje com o seu homólogo Sergei Lavrov. O Kremlin fez saber

que não está previsto qualquer encontro comVladimi­r Putin, mas, segundo a agência Reuters, não estaria totalmente fechada a hipótese de uma reunião do secretário de Estado norte-americano com o presidente russo. Até agora, o diplomata norte-americano gozava de prestígio em Moscovo, graças às várias vezes em que negociou contratos enquanto chefe da Exxon Mobil. Em 2013, Putin chegou mesmo a agraciá-lo com a Ordem da Amizade, distinção atribuída a cidadãos estrangeir­os que, com as suas ações, contribuem para as boas relações com a Rússia. Mas os ventos que sopram agora não são os mesmos.

Novos dados relativos ao ataque químico da semana passada continuam a surgir. Ontem, o ministro da Saúde turco revelou que as análises feitas ao sangue e à urina das vítimas confirmam a presença de gás sarin. Tal como Trump e Washington, Recep Tayyp Erdogan e Ancara também culpam Assad pelo massacre na província de Idlib.

A guerra civil na Síria – que opõe no terreno uma miríade de fações e que também tem sido aproveitad­a pelo Estado Islâmico – começou em 2011, matou pelo menos 400 mil pessoas e deixou o mundo a braços com uma grave crise de refugiados.

Ficou ontem a saber-se que depois de Rex Tillerson será a vez de Walid al-Muallem, o ministro dos Negócios Estrangeir­os sírio, visitar Moscovo.

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal