A decisão mais difícil
JOANA PETIZ
Desligue-se as máquinas, decidiu o juiz, a bem de uma morte digna para quem não poderia sobreviver ou viveria pouco e com indizíveis dificuldades causadas por danos cerebrais irreversíveis. A opinião médica, unânime entre os britânicos, pesou mais na balança do que os apelos dos pais para dar a Charlie, de 8 meses –e a sofrer de uma doença raríssima, com apenas 16 casos diagnosticados em todo o mundo –, uma última hipótese, submetendo-o a um tratamento experimental nos Estados Unidos. Será possível dar razão a alguém – ou tirá-la? Este é um daqueles casos em que é difícil não ter opinião, mas também é complicado não entender os motivos de ambas as partes. É fácil julgar como ato de grande frieza a decisão de médicos e juiz. Mas não será antes um ato de coragem, não terão estes como prioridade absoluta o que é melhor para a criança? É incrível a dedicação dos pais, que nunca perderam a esperança ou abrandaram esforços para tentar salvar Charlie e geraram uma onda de solidariedade que lhes garantiu 1,4 milhões de euros para pagar o tal tratamento. Mas não haverá um momento em que esse instinto protetor que qualquer pessoa que tenha filhos entende deixa de ser temperado com racionalidade e passa a ser apenas causa de mais sofrimento? Não há resposta certa ou errada. Da mesma forma que não se pode censurar um pai ou uma mãe por tentarem tudo por um filho, é injusto apontar o dedo a quem tem um conhecimento mais profundo da condição, do sofrimento e do futuro reservado a um doente terminal.
Por outro lado, quem pode dizer que Charlie não seria o primeiro a salvar-se ou a chave para a sobrevivência de outros doentes com síndrome de depleção mitocondrial?
A questão fundamental, porém, fica muito além de quem são os heróis e os vilões desta triste história. Uma decisão médica – validada na Justiça – sobrepôs-se à vontade dos pais. Os clínicos suportam a decisão em conhecimento, logicamente, mas escolhem ignorar a opinião e os dados que outros médicos têm. E é neste ponto que é difícil não passar para o lado dos pais. É imperativo que estes tenham a oportunidade de fazer tudo para salvar o filho. Aos médicos cabe garantir que o doente não sofre no processo. À Justiça, assegurar que os interesses dos mais frágeis são respeitados. A nenhum pertence a decisão unilateral de quem deve viver ou quando é altura de morrer.