Diário de Notícias

Trumputin?

- LEONÍDIO PAULO FERREIRA

Em 2013, Tillerson recebeu a Ordem da Amizade, a mais importante condecoraç­ão que a Rússia oferece a um estrangeir­o. Na época, as suas relações com Putin não podiam ser melhores. Mas como presidente da ExxonMobil, o racional Tillerson sabia que tinha a última palavra quando falava em nome da empresa petrolífer­a e Putin também sabia o que valia aquilo que o americano lhe dizia, e parecia ser bastante.

Ontem, Tillerson esteve com o governante russo. E em teoria num cargo mais poderoso do que o de líder de uma empresa. Mas a verdade é que o secretário de Estado obedece ao seu presidente, e se isto sempre condiciono­u quem tem de gerir a política externa, no caso da administra­ção Trump é ainda mais evidente. Tillerson esteve com Putin sabedor do que Trump disse ontem sobre a Rússia, mas desconhece­dor daquilo que dirá amanhã.

Eleito sob a suspeita de ter beneficiad­o de manipulaçã­o russa contra Hillary, Trump esforça-se agora por manter as distâncias com Putin, de quem já se confessou admirador. E usou a Síria para tentar pôr Putin em guarda, relembrand­o que os americanos são mais poderosos, seja qual for o termo de comparação, desde a economia até às forças armadas (tirando o nuclear, onde existe um equilíbrio). Já a Rússia, sabendo que tem de fazer milagres com os atuais meios, faz voz grossa dizendo que não permitirá novo ataque ao seu aliado árabe.

Não se sabe se Trump ainda vê a Rússia como um parceiro para travar a ascensão da China. Ideia arriscada mas não absurda, basta pensar em como Nixon fez da China um parceiro contra a União Soviética. Quando se ouve Mattis, secretário da Defesa, dizer que a luta contra o Estado Islâmico continua a ser a prioridade, percebe-se que pelo menos no Médio Oriente Trump ainda não desistiu de trabalhar com Putin – até o avisou do ataque contra a base aérea síria.

No final das reuniões de Moscovo, russos e americanos concordara­m que a relação bilateral está num ponto péssimo (e para complicar, Trump declarava em Washington que a NATO importa). Não disseram, nem Tillerson nem o seu homólogo Lavrov, mas quase que se podia acrescenta­r que até está pior do que na era Obama. Como inverter este caminho tão inesperado como perigoso? Suspeito que só quando Trump e Putin se encontrare­m se perceberá o sentido de Trumputin.

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