Diário de Notícias

Juros pagos pelos bancos aos portuguese­s desceram para metade num ano

Rendimento. A queda das taxas de juro fez recuar os ganhos obtidos com depósitos a prazo. Em 2016 as famílias perderam 612 milhões de euros em comparação com o ano anterior

- ALEXANDRA BRITO e JOANA REBELO MORAIS

As taxas de juro têm vindo a cair nos últimos anos. Só em 2016 as famílias perderam 612 milhões de euros relativame­nte ao ano anterior, mas os depósitos continuam a aumentar.

Não é novidade para ninguém que a rentabilid­ade dos depósitos a prazo, um dos produtos de poupança favoritos dos portuguese­s, tem vindo a cair nos últimos anos devido às taxas de juro historicam­ente baixas. Mas que efeito teve, afinal, esta quebra nas carteiras das famílias portuguesa­s?

O DN/Dinheiro Vivo/DN fez as contas, com base nos números divulgados no boletim estatístic­o do Banco de Portugal, e concluiu que, entre dezembro de 2015 e dezembro de 2016, as famílias portuguesa­s perderam 612 milhões de euros em juros de depósitos a prazo. No final de 2015 esses juros somavam 1203 milhões de euros e, um ano depois, caíram para 591 milhões.

Fazendo uma análise a cinco anos, entre 2011, o ano em que Portugal foi alvo do resgate financeiro por parte da troika, e dezembro do ano passado, os portuguese­s deixaram de ganhar 2,8 mil milhões de euros em juros nos depósitos.

Para se chegar a estes números foram tidos em conta os saldos dos depósitos das famílias a 31 de dezembro de cada ano e as taxas de juro associadas aos depósitos em três modalidade­s diferentes (depósitos com responsabi­lidades à vista; depósitos até dois anos e depósitos para prazos acima de dois anos), no final de cada ano.

Mas para o economista Filipe Garcia, da consultora financeira IMF, esta tendência de baixas taxas de juro não tem de ser encarada como negativa: “As famílias receberam menos [nas poupanças], mas também pagaram menos [nos créditos].” As taxas de juro altas são de facto mais benéficas, mas apenas para “quem tem muito dinheiro no banco e zero dívidas”. E isto “não é a família média portuguesa”, reforça. Filipe Garcia adianta ainda: “Prefiro o que existe agora: o endividado está a pagar bem menos pelo juro, o depósito é muito baixo, mas a erosão do dinheiro provocada pela inflação também é baixa. É isto que defende as poupanças.” Depósitos continuara­m a crescer Um outro dado que sobressai da análise à evolução dos depósitos é que, apesar de estarem a render cada vez menos, os montantes aplicados pelas famílias nestes produtos têm vindo a aumentar, tendo ultrapassa­do no final do ano passado os 139 mil milhões de euros. A explicação poderá estar no facto de haver uma fuga dos investidor­es de ativos de risco. Isso mesmo é defendido por Avelino de Jesus, professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). O economista res- salva que o medo de investir em produtos menos conhecidos faz dos depósitos a prazo “o refúgio”.

Mas esta estratégia tem as suas desvantage­ns. Como a maioria dos bancos têm estes depósitos a render zero ou muito próximo de zero, e, uma vez que o rendimento é praticamen­te o mesmo, as pessoas acabaram por “cometer o erro de deixar as poupanças em produtos à ordem ou a render muito pouco, quando deveriam pensar em estratégia­s de médio-longo prazo”, alerta António Ribeiro, economista da Deco. O especialis­ta lembra ainda que é “mais tentador” gastar o dinheiro que fica disponível à ordem e, como tal, aconselha os aforradore­s a avaliarem “outros produtos para horizontes temporais mais alargados”.

A transição do dinheiro a prazo para contas à ordem – ou até de montantes aplicados em produtos com risco, que por receio dos aforradore­s possam ter transitado para depósitos – pode explicar o aumento contínuo do volume total de dinheiro depositado. “Tem a ver com a incerteza em relação aos produtos que não têm capital garantido e ao descrédito do sistema bancário. Depois de todos os casos que houve em Portugal, as pessoas têm receio de produtos que não sejam tão claros”, diz o economista da Deco.

Mas não é só. Filipe Garcia destaca que “há mais dinheiro disponível, resultado “do cresciment­o da economia e aumento do rendimento disponível das famílias”, que se refletem não só no aumento dos depósitos, mas de outros produtos. Juros vão voltar a subir? Foi pela mão do BCE que chegaram os juros baixos e é também pela mão do BCE que chegará a recuperaçã­o – pelo menos é este o consenso entre os economista­s. “Desde há alguns anos, o BCE começou a injetar dinheiro em grande quantidade na zona euro. E depois procedeu à fixação dos juros de referência. Estas duas componente­s da política – e, pelo meio, a compra de dívida soberana dos países em dificuldad­es – pressionar­am os juros para níveis tão baixos, em alguns casos mesmo negativos”, lembra Avelino de Jesus.

Perspetiva­r o momento em que os juros vão inverter e os depósitos tornar-se mais atrativos não é fácil. “O que existe em termos de previsões, por parte do mercado, são os contratos de futuro sobre a Euribor a três meses, que indicam que esta taxa deverá ficar positiva algures no último trimestre de 2019. É provável que se comece a notar um aumento das taxas de depósito no decorrer desse ano”, antecipa Filipe Garcia.

Já Avelino de Jesus considera necessária a inversão da política do BCE. Sobre uma possível data, é perentório: “Antes das eleições alemãs não será de certeza. O BCE está muito condiciona­do pela política alemã.”

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As taxas de juro historicam­ente baixas do BCE explicam a quebra dos ganhos, apesar do aumento dos depósitos
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