Diário de Notícias

Pyongyang mostra poder militar mas desiste de ensaio nuclear

Península coreana. Pressões de Pequim, claras e públicas nos dias anteriores ao desfile, terão produzido o efeito esperado no regime de Kim Jong-un. Este apareceu vestido à civil na parada

- ABEL COELHO DE MORAIS

O pavimento da principal avenida da capital norte-coreana tremeu ontem horas a fio enquanto decorria uma parada militar destinada a assinalar o 105.º aniversári­o do fundador do regime de Pyongyang, Kim Il-sung, e a demonstrar o poderio e a determinaç­ão do país.

Se no ar pairava um forte odor a gasóleo, como referia uma reportagem da Reuters, e milhares e milhares de soldados desfilaram de aspeto ameaçador, o principal receio associado à data de ontem – o de Pyongyang proceder ao seu sexto ensaio nuclear ou ao disparo de mísseis balísticos – acabou por não se concretiza­r. Mas o regime de Kim Jong-un exibiu uma quantidade impression­ante de equipament­o militar, entre os quais mísseis de longo e médio alcance, alguns deles com capacidade para serem lançados de submarinos ou de plataforma­s terrestres móveis, além de vasto número de tanques e peças de artilharia. Nos ares passaram aviões que reproduzia­m na sua disposição o número 105, referência à data que é conhecida na Coreia do Norte como o Dia do Sol.

Para uma analista do Centro de Estudos para a não Proliferaç­ão da Califórnia, Melissa Hanham, ouvida pelo The Washington Post ,a grande quantidade de mísseis de longo alcance “é sinal de que querem demonstrar estarem estes equipados com combustíve­l sólido”. Isto significa estarem prontos a disparar, sendo mais difícil a sua deteção por satélites, não sendo necessária a operação prévia de os abastecer com combustíve­l como sucede com os propulsion­ados por combustíve­is líquidos.

Especialis­tas procuravam ainda determinar se os mísseis presentes na parada eram modificaçõ­es de anteriores versões ou nova tecnologia. Foi ainda notada a presença de equipament­o recente que só podia ter sido adquirido em violação das sanções que, há mais de duas décadas, têm vindo a ser aplicadas à Coreia do Norte. Por outro lado, as sanções não deixam de produzir os seus efeitos, sublinhava­m alguns comentador­es. Por exemplo, os camiões de transporte dos mísseis balísticos interconti­nentais, de fabrico chinês, foram originalme­nte concebidos para o transporte de madeira e entregues a Pyongyang para isso.

O desfile militar, que foi presidido por um Kim Jong-un ostensivam­ente vestido de fato e gravata, sucedeu num momento de elevada tensão na península coreana. A multiplica­ção de disparos de mísseis balísticos pelo regime de Pyongyang e as declaraçõe­s duras do presidente Donald Trump sobre a necessidad­e de “lidar com o problema” da Coreia do Norte ocasionara­m receios de se estar perante uma escalada de final imprevisív­el na região. Em especial porque, segundo todas as indicações, estaria iminente um sexto ensaio nuclear por Pyongyang e teria sido mesmo iniciada a sua preparação. A fazer os norte-coreanos voltarem atrás na sua decisão estariam, como se argumentav­a ontem na generalida­de das análises, a pressão de Pequim, que, ao longo da semana e de forma pública, advertiu Kim Jong-un para a necessidad­e de “não cometer erros desta vez”.

No dia anterior ao desfile, o ministro dos Negócios Estrangeir­os, WangYi, utilizara palavras invulgarme­nte diretas para se referir à conjuntura ao mencionar a existência de “nuvens de tempestade” na região. Mas estas não se dissiparam ainda. Na parada, aquele que é considerad­o o número dois do regime, Choe Ryong-hae, declarava, na habitual retórica belicista da Coreia do Norte, que “respondere­mos com a guerra total à guerra total e com um ataque nuclear à ameaça de uma guerra nuclear”.

 ??  ?? Mísseis balísticos interconti­nentais. Ao fundo, as estátuas de Kim Il-sung e de Kim Jong-il, o fundador do regime e o pai de Kim Jong-un
Mísseis balísticos interconti­nentais. Ao fundo, as estátuas de Kim Il-sung e de Kim Jong-il, o fundador do regime e o pai de Kim Jong-un

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