Europa cautelosa com referendo que dá mais poderes a Erdogan
Ancara descarta possibilidade de antecipar eleições marcadas para 2019 e rejeita crítica de défice democrático feita por observadores. Possível regresso da pena de morte afasta UE
A curta vitória conseguida pelo presidente Recep Tayyip Erdogan – 51,18% votaram sim e 48,82% não – no referendo de domingo que aprova as alterações constitucionais que vão transformar a Turquia num regime presidencialista está a ser vista com muita cautela pela Europa, que pede um diálogo entre vencedores e vencidos. Há também críticas sobre o teor democrático desta consulta, que são totalmente rejeitadas por Ancara.
A chanceler Angela Merkel e o líder da diplomacia alemã, Sigmar Gabriel, defenderam ontem que a curta vitória do sim é uma enorme responsabilidade que Erdogan terá de carregar e que mostra como a sociedade turca está dividida. Na Alemanha vivem cerca de três milhões de turcos, votaram cerca de 650 mil, tendo o sim ganho com 63,07%. “O governo alemão respeita o direito dos cidadãos turcos de decidir sobre a sua ordem constitucional”, declaram ontem Merkel e Gabriel em comunicado. “O estreito resultado do referendo mostra como profundamente dividida está a sociedade turca e isso representa uma grande responsabilidade para a liderança turca e para o presidente Erdogan pessoalmente”, pode ler-se no mesmo documento, onde é ainda pedido a Ancara para ter “um diálogo respeitoso” com toda a sociedade e todos os quadrantes políticos.
Cauteloso foi também o tom do discurso do presidente francês, que ressalvou que “cabe apenas aos turcos decidir como organizam as suas instituições políticas, mas os resultados publicados mostram que a sociedade turca está dividida em relação às profundas reformas anunciadas”. Depois da Alemanha, a França é o país preferido da imigração turca, estimando-se que sejam mais de 800 mil – votaram cerca de 140 mil, tendo o sim ganho com 64,85% dos votos. François Hollande deixou porém claro que a França “tomou nota das reclamações feitas e seguirá com grande atenção as avaliações ao referendo feitas pelo Conselho da Europa e a OSCE”.
Em março, a Comissão de Veneza, órgão consultivo sobre questões constitucionais do Conselho da Europa, afirmou que as propostas de alteração à Constituição, e que reforçam os poderes de Erdogan, representam um “perigoso passo atrás” na democracia.
Ontem, num comunicado conjunto, os observadores do Conselho da Europa e da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) concluíram que o processo deste referendo não pode ser considerado como verdadeiramente democrático, entre outros motivos porque as duas partes não tiveram oportunidades iguais. Mas também que a cobertura dos meios de comunicação social foi parcial e que existiram limitações às liberdades fundamentais. Conclusões que o Ministério dos Negócios Estrangeiros turco disse ontem serem reflexo de uma “abordagem tendenciosa e preconceituosa”.
Merkel e Gabriel sublinharam as reservas expressas no domingo pela Comissão Europeia e afirmaram que a Turquia, como membro do Conselho Europeu e da OSCE e pretendente a pertencer à UE, deveria abordar rapidamente estas preocupações. “Discussões políticas sobre esta questão devem ter lugar o mais depressa possível, tanto a nível bilateral como entre as instituições europeias e a Turquia”, declararam Angela Merkel e Sigmar Gabriel.
Já o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, afirmou que os europeus esperam “clareza da parte das autoridades turcas” após o referendo de domingo, e defendeu a integração de “uma Turquia democrática” na UE.
No seu discurso de vitória no domingo à noite, o presidente Recep Tayyip Erdogan voltou a dizer que poderá convocar um referendo para restabelecer a pena de morte. Uma medida que poderá ditar o fim das negociações para a adesão da Turquia à União Europeia.
“Os valores e os compromissos do Conselho da Europa devem levar as autoridades turcas a conduzir um diálogo aberto e sincero com todos os intervenientes da vida política e social. A organização de um referendo sobre a pena de morte será evidentemente uma rutura com esses valores e compromissos”, afirmou ontem Hollande.
A Áustria, que já pediu várias vezes a suspensão das negociações para a entrada da Turquia na UE, voltou ontem a reforçar este pedido. “Não podemos voltar à rotina habitual depois do referendo da Turquia. Precisamos finalmente de alguma honestidade na relação entre a UE e a Turquia”, declarou o ministro dos Negócios Estrangeiros austríaco, Sebastian Kurtz.
Fora de questão está a convocação de eleições antecipadas na Turquia, confirmou ontem à Reuters o vice-primeiro-ministro Mehmet Simsek. “O presidente deixou bem claro que haverá eleições em novembro de 2019”, declarou.