Diário de Notícias

2500 anos a partir pedra para se chegar à calçada de Lisboa

Debaixo dos Nossos Pés conta diferentes momentos da evolução da cidade através das múltiplas técnicas, materiais, formas, composiçõe­s e cores usadas para pavimentar a cidade desde o século V a.C. até à atualidade

- MARINA MARQUES DEBAIXO DOS NOSSOS PÉS – PAVIMENTOS HISTÓRICOS DE LISBOA Museu de Lisboa, Torreão Poente, Praça do Comércio, Lisboa Inauguraçã­o hoje, às 18.30 Até 24 de setembro, de terça-feira a domingo, das 10.00 às 18.00 Bilhetes: 3€

Nasceu como um projeto pessoal de investigaç­ão da arqueóloga Lídia Fernandes e a partir de hoje, às 18.30, fica disponível para o público na forma de exposição que no Torreão Poente, na Praça do Comércio, conta a história da cidade através dos pavimentos que a foram revestindo, desde a Idade do Ferro até à atualidade. E, dentro de alguns dias, Debaixo dos Seus Pés – Pavimentos Históricos de Lisboa ganhará ainda a forma de monografia que sintetiza todo o conhecimen­to acumulado nesta área.

“As soluções de pavimentaç­ão da cidade de Lisboa são tão variadas, tão distintas entre si e a forma como se podem relacionar com as épocas que as suscitaram que foi nascendo esta ideia de criar uma espécie de corpus sobre os pavimentos da cidade”, contextual­iza a também coordenado­ra do Teatro Romano, um dos núcleos do Museu de Lisboa.

A primeira sala é dedicada à geologia da cidade de Lisboa porque “é a riqueza geológica da cidade que permite a obtenção de matéria-prima para a realização da sua pavimentaç­ão”, assinala a arqueóloga Jacinta Bogalhão, outra das comissária­s da exposição. Um pedaço de calcário com fósseis de conchas e um fuste da época romana esculpido nesse material e no qual são visíveis alguns fósseis é um dos exemplos de matéria-prima que se encontram nesta sala. Uma carta geológica da região de Lisboa e alguns fósseis completam a informação.

Argila, um dos materiais que nessa carta geológica se pode ver que existe em grande abundância, é precisamen­te o que serve de matéria-prima para os primeiros exemplares de pavimento, datados do século V a.C. que surgem na sala seguinte. Um pedaço desse pavimento, oriundo da zona do Castelo de São Jorge, mostra como a argila era sujeita ao fogo, ganhando um tom mais vermelho e maior resistênci­a, depois de aquecida com fogo. Logo ao lado, um revestimen­to com seixo colado, numa reconstitu­ição do existente no Núcleo Arqueológi­co da Rua dos Correeiros, dos séculos V/IV a.C. Logo à entrada desta sala, tal como depois em todas as outras, um breve texto explica o contexto histórico e a cronologia dos achados em exposição, e um mapa situa esses mesmos achados bem como outros vestígios da mesma época.

No terceiro núcleo, destaque para a época romana com alguns exemplos de revestimen­tos mais decorativo­s, e outros de cariz mais prático, como o opus signinum, feito de pedaços muito pequenos de argila com argamassa, tornando-o mais resistente e impermeáve­l. No espaço seguinte, dedicado à Idade Média, apesar de “estarmos num ambiente social e cultural distinto [do da época romana], mais fechado, existem linhas de continuida­de – continua a usar-se o revestimen­to cerâmico e surge um sucessor do opus signinum, feito com argila, cal e areia que misturado cria uma argamassa bastante compacta, aumenta a resistênci­a”, explica Jacinta Bogalhão. Destaque ainda para um vídeo com a reconstitu­ição do pavimento da Capela de Santo Estêvão, do claustro da Sé de Lisboa – “um dos poucos do século XIV que restam na cidade”, evidencia Lídia Fernandes.

Um quadro do pintor holandês Dirk Stoop (1615-1686), que revela o aspeto do Terreiro do Paço em meados do século XVII (com o modelo ali mesmo a um olhar pela janela), é o pretexto para se falar da Lisboa do século XVI e da Rua Nova (ainda antes de ser dos Mercadores) e do facto de ter sido mandada pavimentar por D. João II por granito vindo do Porto. “Um dos impostos em vigor obrigava os barcos que aportavam à cidade a trazerem como lastro pedra”, diz Jacinta Bogalhão. “Há vários documentos que atestam esta questão. Mas em termos de conhecimen­to arqueológi­co, nunca foi encontrado qualquer pavimento granítico em Lisboa. Há de haver uma explicação, só ainda não a encontrámo­s.”

Segue-se um núcleo em que, devido à introdução do automóvel, se procura novas soluções, como a criada pelo engenheiro escocês John McAdam e que aqui surge exemplific­ada com os vários níveis de pedras, das maiores para as menores, tal como ainda hoje se faz. Mas sem a aplicação do alcatrão. Uma solução que, explica Lídia Fernandes, foi muito contestada na cidade, sobretudo pelas senhoras que não gostavam da poeira que se levanta quando passavam com os seus longos vestidos.

A calçada portuguesa ocupa o último núcleo, onde se mostram moldes de madeira dos desenhos depois transposto­s para o chão, estudos e instrument­os utilizados pelos calceteiro­s.

“Tudo isto é uma evolução por tentativa e erro, e pela documentaç­ão consultada, e que foi muita, houve muitas tentativas de pavimentaç­ão da cidade, muitas mais do que se pode imaginar, e até épocas muito recentes. Por exemplo, no final do século XIX, as discussões que existiam na câmara municipal entre os vários vereadores sobre a tentativa de eleger um tipo de pedra para pavimentar a cidade, eram extremamen­te acaloradas”, sintetiza Lídia Fernandes.

É de argila o pavimento mais antigo conhecido da cidade de Lisboa, do século V a.C. A calçada portuguesa ocupa o último núcleo, onde se mostram moldes de madeira dos desenhos depois transposto­s para o chão

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Exposição mostra vários desenhos da calçada portuguesa; em baixo, estes diferentes motivos em calçada são a assinatura dos calceteiro­s

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