Procura-me no Coachella
Um céu muito estrelado, daqueles que já não se encontra sequer na província em noite limpa de verão, começou a mover-se ao som arrastado de uma melodia desconhecida. A viagem acelerou repentinamente e a terra transformou-se em espaço, o espaço transformou-se em cor, e o susto da explosão fez saltar as pernas e os braços.
Durante 15 minutos, 500 pessoas deitadas em pufes viveram uma experiência extraordinária de estimulação sensorial, dentro de uma redoma ao estilo planetário no meio do deserto. Todo o campo visual estava preenchido com imagens incríveis, que podiam ter sido retiradas do imaginário de Salvador Dalí e sobrepostas em cenas perdidas de Espaço 1999. A vibração sonora e o ar condicionado ajudavam a criar esta fissura no espaço-tempo que suspendeu, ainda que por pouco tempo, toda a realidade lá fora.
Antarctic, assim se chama a experiência, é a instalação suprema, o próximo nível de arte e tecnologia num festival de música. A cada guinada havia gritos e aplausos, e no final a impressão generalizada foi de espanto e surpresa. De fora, Antarctic parece mais um globo branco semelhante às outras tendas ele- trónicas do Empire Polo Ground, onde o Coachella Valley Music and Arts festival decorreu neste fim de semana e aonde regressará no próximo.
Ninguém esperava isto, apesar da sua reputação como festival que tem tanto de música como de arte. Mais do que isso, até. É música, arte, moda, comida, aspiração a um estilo de vida. O Coachella, no meio do deserto californiano, é um microcosmos com as suas próprias regras, que toda a gente parece saber de forma instintiva.
“A vida fica tão confusa, ficamos stressados com coisas estúpidas”, dizia Lady Gaga no seu fenomenal concerto de sábado à noite. “E depois entramos no Coachella e tudo o que temos de fazer é dançar.” Durante três dias, torna-se possível ser a pessoa que se idealiza lá fora. É por isso que a moda é tão importante neste festival, de forma que nunca se viu em qualquer outro evento de música. É difícil encontrar alguém que se tenha vestido de forma simples e sem pensar. Neste ano, os cabelos à Princesa Leia e as tranças de boxe foram as grandes tendências, além das coroas de flores e as fitas tipo anos 70. Em que outro evento se encontrariam homens cheios de tatuagens temporárias em tons dourados, desenhos brilhantes pelo corpo e até na cara? Ou grupos de amigos com as roupas coordenadas, ao estilo ABBA na capa de Super
Trouper? Digamos que muita gente não poderá usar estas farpelas em qualquer outro cenário, e não é por parecerem mascarados – é porque é um estilo especificamente Coachella, algo que talvez só indo lá uma vez na vida permitirá entender. Vestidos transparentes, pequenos autocolantes a cobrir o peito em vez de biquínis, conjuntos futuristas em tons prateados, homens de saia e com calças de crochê. A moda é importante porque estabelece um tom universal no ambiente do festival, sem julgamentos.
“A liberdade é livre. A liberdade é a coisa mais livre do mundo!”, gritou o vocalista dos Chicano Batman, uma banda hispânica baseada em Los Angeles, depois de tocar o hino informal dos imigrantes nos Estados Unidos – “This land is your land”, escrita por Woody Guthrie nos anos 40 do século passado. Nada é de graça no Coachella a não ser estacionamento e água filtrada, mas existe uma sensação de liberdade que se mistura com a iniquidade óbvia. O Coachella é um festival boémio e progressista, mas reúne celebridades e os meninos privilegiados da Califórnia que gastaram dois mil dólares para estar ali. O Coachella é um festival onde as instalações de arte convidam a olhar o mundo de outra maneira, mas o que muita gente se limita a fazer é procurar o melhor ângulo para a selfie que vai pôr no Instagram. O palco principal está cheio de grandes nomes da pop, mas nos outros espaços circulam bandas com nomes esquisitos, como Tennis e Swet Shop Boys. Faz um calor dos infernos durante o dia e gelam os ossos assim que a noite cai. O Coachella é, simultaneamente, o mais interessante e o mais desgastante festival em que se pode pôr os pés. É por isso que vale a pena: as contradições tornam-no único.
“A vida fica tão confusa,ficamos stressados com coisas estúpidas”, dizia Lady Gaga no seu fenomenal concerto de sábado à noite. “E depois entramos no Coachella e tudo o que temos de fazer é dançar”