Havana espera “ideia mais exata da inclinação de Trump sobre Cuba”
O chefe da diplomacia cubana, que termina hoje uma visita de dois dias a Lisboa com um encontro com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, destacou as boas relações entre Cuba e Portugal e o “grande potencial” para as desenvolver ainda mais. Ao DN falou também da relação comWashington, defendendo que é “preciso esperar para ter uma ideia mais exata” do que a nova administração pretende, e do apoio ao líder venezuelano, Nicolás Maduro. Faz hoje [ontem] 56 anos que Cuba travou a invasão da Baía dos Porcos, que foi apoiada pelos EUA. Agora a relação entre os dois países é muito diferente. Cuba está confiante de que é para continuar a melhorar ou acha que poderá haver problemas no futuro? Os EUA e Cuba, ao longo de toda a história, nunca tiveram relações normais. Com o governo do presidente Obama, avançou-se significativamente em matéria diplomática, de diálogo e de cooperação bilateral em áreas de interesse comum. Contudo, manteve-se o bloqueio e a ocupação do território em Guantánamo e outras medidas lesivas à nossa soberania. Temos de reconhecer que através de decisões executivas houve um progresso muito limitado, mas na direção favorável. Neste momento, ouvimos os porta-vozes do governo dos EUA falar de uma revisão da política para com Cuba. Nós mantemos a nossa disponibilidade ao diálogo e à cooperação, na base do respeito mútuo e igualdade soberana e pensamos que é possível trabalhar na base dos interesses comuns e, ao mesmo tempo, construir uma relação civilizada, mesmo dentro das grandes diferenças que existem no âmbito político entre ambos os governos. A Casa Branca falou em “rever a política com Cuba” e num “melhor acordo”. Já se sabe o que isso significa? O novo governo dos EUA está instalado há pouco tempo. É preciso esperar para ter uma ideia mais exata de qual é a sua inclinação para com Cuba. Nós mantemos a esperança de que haja continuidade nos progressos alcançados. Até há aspetos nos quais se avançou pouco como na relação económica. O âmbito dos negócios pode ser de interesse comum. Existem em Cuba oportunidades para as empresas norte-americanas. Raúl Castro já disse que deixa a presidência no início de 2018. Acha que poderá mudar de opinião se houver uma deterioração da relação com os EUA? O processo eleitoral em Cuba está estabelecido pela Constituição e pela lei desde os anos 1970, em que se adotou por referendo popular, com um altíssimo apoio, a constituição vigente. Ocorreram desde então, pontualmente, sem nenhuma dificuldade eleições muito abertas, participativas, democráticas. Em outubro começa o ciclo eleitoral e em fevereiro de 2018 teremos as eleições gerais. Estou certo de que será uma eleição muito participada e do maior interesse. Mas Raúl Castro é obrigado a sair? A lei cubana, como em muitos países, contempla a eleição indefinida. Não obstante, conheço as posições públicas do presidente no sentido de contemplar os processos de revisão constitucional ou legislativa, para estabelecer alguma limitação ao número de mandatos. Contudo, ainda não há emendas constitucionais nesse sentido. Então, chegado ao momento, Raúl Castro pode novamente ser candidato. Do ponto de vista da Constituição e da lei eleitoral não há restrição à reeleição indefinida. Um dos apoios de Cuba tem sido a Venezuela, que atravessa uma grave crise. Havana continua a defender o presidente Nicolás Maduro. Porquê? Entre Cuba eVenezuela há uma relação fraterna, multifacetada, e uma relação económica intensa, que não chamaria como um apoio ou subsídio. Apoiamos, desde uma posição muito solidária, a luta do povo venezuelano na defesa da soberania, frente a processos que às vezes se tornam até violentos, frente à busca de caminhos inconstitucionais, à alteração da ordem constitucional na Venezuela, desde setores da direita tradicionalmente golpistas. E, temos uma excelente relação com o governo, democraticamente eleito, e com o qual trabalhamos quotidianamente. Abril é um mês importante, desde a Revolução dos Cravos à Baía dos Porcos. Em abril ocorreu também o golpe de estado contra o governo bolivariano e chavista. E a todos os que me falam da Venezuela, recomendaria procurar as caras dos protagonistas atuais naqueles dias de 11 a 14 de abril de 2002. Onde estava cada um, o que estavam a fazer. Isso ajuda a entender melhor o que está a acontecer ali. Interessa-nos a Venezuela pela grande comunidade portuguesa. Desde Cuba, que solução veem para a crise? Lembro-me do carinho extraordinário de Chávez para com o povo português. E dizem-me que naVenezuela, como em Cuba, gostam muito de Portugal. Somos muito respeitosos das decisões que toma o povo venezuelano e temos toda a confiança de que eles encontrarão a decisão correta. Haverá seguramente um processo de diálogo produtivo. O que me parece mais importante é que não haja agressão, nem intervenção nem ingerência estrangeira, que lamentavelmente está muito presente. Como está a relação Portugal-Cuba? Muito bem, há uma enorme afinidade cultural. É o resultado de um processo histórico. São relações ininterruptas durante quase um século. E a mim parece que vão muito bem. Estamos satisfeitos com o estado das relações bilaterais e a cada minuto constatamos que tem um grande potencial por desenvolver. Em que áreas há interesse? Nesta visita falaremos sobre esses temas e atualizaremos estes vínculos. Há vantagens comparativas em ambos os países. Cuba é uma economia pequena mas, ao mesmo tempo, tem um alto desenvolvimento dos serviços sociais, do sistema educacional, do sistema de saúde pública, é um potente exportador de serviços médicos, ou até de tecnologia de ponta. E Portugal tem vantagens comparativas muito importantes. Parece-me que confluem interesses na esfera agroindustrial ou das energias renováveis e nos domínios da alta tecnologia.