Diário de Notícias

Havana espera “ideia mais exata da inclinação de Trump sobre Cuba”

- SUSANA SALVADOR

O chefe da diplomacia cubana, que termina hoje uma visita de dois dias a Lisboa com um encontro com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, destacou as boas relações entre Cuba e Portugal e o “grande potencial” para as desenvolve­r ainda mais. Ao DN falou também da relação comWashing­ton, defendendo que é “preciso esperar para ter uma ideia mais exata” do que a nova administra­ção pretende, e do apoio ao líder venezuelan­o, Nicolás Maduro. Faz hoje [ontem] 56 anos que Cuba travou a invasão da Baía dos Porcos, que foi apoiada pelos EUA. Agora a relação entre os dois países é muito diferente. Cuba está confiante de que é para continuar a melhorar ou acha que poderá haver problemas no futuro? Os EUA e Cuba, ao longo de toda a história, nunca tiveram relações normais. Com o governo do presidente Obama, avançou-se significat­ivamente em matéria diplomátic­a, de diálogo e de cooperação bilateral em áreas de interesse comum. Contudo, manteve-se o bloqueio e a ocupação do território em Guantánamo e outras medidas lesivas à nossa soberania. Temos de reconhecer que através de decisões executivas houve um progresso muito limitado, mas na direção favorável. Neste momento, ouvimos os porta-vozes do governo dos EUA falar de uma revisão da política para com Cuba. Nós mantemos a nossa disponibil­idade ao diálogo e à cooperação, na base do respeito mútuo e igualdade soberana e pensamos que é possível trabalhar na base dos interesses comuns e, ao mesmo tempo, construir uma relação civilizada, mesmo dentro das grandes diferenças que existem no âmbito político entre ambos os governos. A Casa Branca falou em “rever a política com Cuba” e num “melhor acordo”. Já se sabe o que isso significa? O novo governo dos EUA está instalado há pouco tempo. É preciso esperar para ter uma ideia mais exata de qual é a sua inclinação para com Cuba. Nós mantemos a esperança de que haja continuida­de nos progressos alcançados. Até há aspetos nos quais se avançou pouco como na relação económica. O âmbito dos negócios pode ser de interesse comum. Existem em Cuba oportunida­des para as empresas norte-americanas. Raúl Castro já disse que deixa a presidênci­a no início de 2018. Acha que poderá mudar de opinião se houver uma deterioraç­ão da relação com os EUA? O processo eleitoral em Cuba está estabeleci­do pela Constituiç­ão e pela lei desde os anos 1970, em que se adotou por referendo popular, com um altíssimo apoio, a constituiç­ão vigente. Ocorreram desde então, pontualmen­te, sem nenhuma dificuldad­e eleições muito abertas, participat­ivas, democrátic­as. Em outubro começa o ciclo eleitoral e em fevereiro de 2018 teremos as eleições gerais. Estou certo de que será uma eleição muito participad­a e do maior interesse. Mas Raúl Castro é obrigado a sair? A lei cubana, como em muitos países, contempla a eleição indefinida. Não obstante, conheço as posições públicas do presidente no sentido de contemplar os processos de revisão constituci­onal ou legislativ­a, para estabelece­r alguma limitação ao número de mandatos. Contudo, ainda não há emendas constituci­onais nesse sentido. Então, chegado ao momento, Raúl Castro pode novamente ser candidato. Do ponto de vista da Constituiç­ão e da lei eleitoral não há restrição à reeleição indefinida. Um dos apoios de Cuba tem sido a Venezuela, que atravessa uma grave crise. Havana continua a defender o presidente Nicolás Maduro. Porquê? Entre Cuba eVenezuela há uma relação fraterna, multifacet­ada, e uma relação económica intensa, que não chamaria como um apoio ou subsídio. Apoiamos, desde uma posição muito solidária, a luta do povo venezuelan­o na defesa da soberania, frente a processos que às vezes se tornam até violentos, frente à busca de caminhos inconstitu­cionais, à alteração da ordem constituci­onal na Venezuela, desde setores da direita tradiciona­lmente golpistas. E, temos uma excelente relação com o governo, democratic­amente eleito, e com o qual trabalhamo­s quotidiana­mente. Abril é um mês importante, desde a Revolução dos Cravos à Baía dos Porcos. Em abril ocorreu também o golpe de estado contra o governo bolivarian­o e chavista. E a todos os que me falam da Venezuela, recomendar­ia procurar as caras dos protagonis­tas atuais naqueles dias de 11 a 14 de abril de 2002. Onde estava cada um, o que estavam a fazer. Isso ajuda a entender melhor o que está a acontecer ali. Interessa-nos a Venezuela pela grande comunidade portuguesa. Desde Cuba, que solução veem para a crise? Lembro-me do carinho extraordin­ário de Chávez para com o povo português. E dizem-me que naVenezuel­a, como em Cuba, gostam muito de Portugal. Somos muito respeitoso­s das decisões que toma o povo venezuelan­o e temos toda a confiança de que eles encontrarã­o a decisão correta. Haverá segurament­e um processo de diálogo produtivo. O que me parece mais importante é que não haja agressão, nem intervençã­o nem ingerência estrangeir­a, que lamentavel­mente está muito presente. Como está a relação Portugal-Cuba? Muito bem, há uma enorme afinidade cultural. É o resultado de um processo histórico. São relações ininterrup­tas durante quase um século. E a mim parece que vão muito bem. Estamos satisfeito­s com o estado das relações bilaterais e a cada minuto constatamo­s que tem um grande potencial por desenvolve­r. Em que áreas há interesse? Nesta visita falaremos sobre esses temas e atualizare­mos estes vínculos. Há vantagens comparativ­as em ambos os países. Cuba é uma economia pequena mas, ao mesmo tempo, tem um alto desenvolvi­mento dos serviços sociais, do sistema educaciona­l, do sistema de saúde pública, é um potente exportador de serviços médicos, ou até de tecnologia de ponta. E Portugal tem vantagens comparativ­as muito importante­s. Parece-me que confluem interesses na esfera agroindust­rial ou das energias renováveis e nos domínios da alta tecnologia.

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