“O século XXI será o século do Atlântico Sul”
Na conferência que ontem terminou em Lisboa defendeu-se a existência de um património civilizacional comum
O espaço combinado do português e do castelhano é “o segundo mais poderoso no mundo” e tem como denominador comum o Atlântico Sul, uma região de forte crescimento económico e que reúne condições para se afirmar como importante protagonista no plano internacional. Esta foi uma das principais conclusões do VI Encontro Triângulo Estratégico América Latina e Caraíbas-Europa-África, organizado pelo Instituto para a Promoção da América Latina e Caraíbas (IPDAL), que ontem terminou em Lisboa.
Um dado central a fundamentar esta dimensão é o de “todos os países da América do Sul, menos dois [Bolívia e Paraguai] serem Estados costeiros, também muitos o são em África e na Europa”, entendendo-se aqui o Mediterrâneo como uma espécie de prolongamento do oceano. Esta espécie de autoestrada marítima e novo e mais extenso Mare Nostrum permitirá que o “século XXI vá ser o século do Atlântico Sul”, defendeu Tiago Pitta e Cunha, especialista em Assuntos do Mar. Para o investigador, a localização geoestratégica de Portugal, com a “sua proximidade a África, será também “mais relevante no século XXI” – devido, entre outros fatores, ao “novo canal do Panamá, que encurtou as distâncias entre a América do Pacífico” e a do Atlântico, a construção a prazo de um terceiro canal, o aparecimento de tecnologia que possibilita uma mais adequada exploração dos recursos subaquáticos. Conexa com esta última questão está, segundo Pitta e Cunha, a “sustentabilidade ambiental, sem a qual não há desenvolvimento económico”, uma vez que “o ambiente/clima será o grande condutor das questões do século XXI”. Ora, “não é possível falar de ambiente e clima sem falar do mar” e aqui o peso deste fator no quadro do Triângulo Estratégico alicerça a importância do Atlântico Sul no século atual.
Perspetiva mais geoestratégica foi apresentada por Bernardo Pires de Lima, investigador universitário e colunista do DN, que defendeu a materialização de um “quadrado estratégico”, com os Estados Unidos a serem adicionados ao Triângulo. O fundamento para isso está, disse o investigador, na expressão da relação bilateral Américas-EUA, que “supera tudo”. Alguns números: “45% da economia mundial realizam-se entre a Europa e os EUA”; “a América Latina exporta mais 40% para a Europa do que para a China”; “45 dos 50 estados dos EUA exportam mais para a Europa do que para a China” e “45% do Investimento Direto Estrangeiro nos EUA é de origem europeia”. O colunista do DN sugeriu, no plano prático, a criação de uma universidade transatlântica, de um fórum atlântico dos negócios e um mecanismo permanente para o setor da energia.
O diretor-geral da Agência Portuguesa de Negócios, Bernardo Theotónio Pereira, fez incidir a sua intervenção na dimensão dos recursos do “espaço onde se fala a nossa língua”, o português. Deu como exemplos, entre outros, exatamente a importante dimensão dos recursos hídricos, a terra arável (7% da superfície total), as florestas (15% do total), “um padrão etário jovem” e o facto de “5% do total do Investimento Direto Estrangeiro vai hoje para os países lusófonos”. Além da dimensão económica, Theotónio Pereira fez questão de recordar um património civilizacional, de acordo com a definição de Samuel Huntington, largamente comum no espaço do Triângulo e, sem dúvida, uma “civilização lusófona”.
Participante no encontro, o deputado do CDS e presidente da comissão parlamentar de Economia, Hélder Amaral, retomou a ideia do Triângulo como espaço de intersecção histórica, cultural e étnica de que se reivindicou como um seu resultado: “os mulatos são umas das grandes produções portuguesas.” Para o deputado centrista, Portugal também ocupa um lugar de grande centralidade na equação desta relação tricontinental e integra “um instrumento”, a CPLP, que, em sua opinião, não está totalmente aproveitado, pensando até no importante demográfico em África e seu impacto na economia deste vértice do triângulo. Além, naturalmente, das potenciais repercussões nos outros dois vértices.
Entre outras intervenções, destaque-se a do antigo presidente do Senado de Marrocos, Mohamed Cheikh Biadillah, que defendeu a necessidade de maiores “dinâmicas de integração” entre as três regiões. O político marroquino recuperou o conceito de “relação tricontinental” como espaço de paz e estabilidade, enquanto o responsável pelo Departamento das Américas do Serviço Europeu de Ação Exterior, Manfredo Fanti, pôs em evidência o nível das relações económicas e financeiras entre a União Europeia e a América do Sul, citando números expressivos: “O valor do investimento da UE [naquela região] é superior ao montante do seu investimento combinado na China, Índia e Rússia.”
“5% do total do Investimento Direto Estrangeiro global vai hoje para os países lusófonos”
BERNARDO THEOTÓNIO PEREIRA
DIR.-GERAL DA AGÊNCIA PORT. DE NEGÓCIOS “45 dos 50 estados dos EUA exportam mais para a Europa do que para a China”
BERNARDO PIRES DE LIMA
INVESTIGADOR UNIVERSITÁRIO