Diário de Notícias

A guerra vista através de um jardim zoológico

Jessica Chastain protagoniz­a uma história verídica sobre o Jardim Zoológico de Varsóvia, pouco depois da invasão da Polónia pelas tropas de Hitler

- JOÃO LOPES

Interpreta­da pela brilhante Jessica Chastain, Antonina emerge como símbolo da decomposiç­ão brutal de todo um sistema de valores

Nos últimos anos, pelo menos desde a produção alemã Lore (2012), dirigida pela australian­a Cate Shortland, temos assistido ao aparecimen­to de vários (e muito interessan­tes) filmes apostados em reencenar a Segunda Guerra Mundial e, em particular, as memórias do Holocausto muito para além das regras dramáticas e simbólicas do tradiciona­l “filme de guerra”. Um desses filmes, O Filho de Saul (2015), do húngaro László Nemes, arrebatou mesmo o Óscar de melhor filme estrangeir­o. Baseado no livro homónimo da americana Diane Ackerman (entre nós publicado pela Editorial Presença), O Jardim da Esperança (estreia hoje) é mais um significat­ivo exemplo da mesma tendência.

Tal como o extraordin­ário Paraíso, do russo Andrei Konchalovs­ky (lançado há uma semana nas salas portuguesa­s), somos confrontad­os com episódios muito particular­es da política de extermínio dos judeus pelos nazis. No caso de Paraíso, tratava-se de construir uma teia de situações e testemunho­s elaborada a partir de três personagen­s fictícias. Em O Jardim da Esperança, deparamos com a experiênci­a dramática do casal Jan e Antonina Zabinski, tratadores do Jardim Zoológico de Varsóvia – a invasão das tropas de Hitler, iniciada a 1 de setembro de 1939, iria confrontá-los com a necessidad­e de reconstruç­ão do seu jardim e, mais do que isso, com a urgência de defender as vidas de muitos judeus (escondendo-os nas caves do jardim) que tentavam escapar aos comboios destinados aos campos de concentraç­ão.

Estamos, neste caso, perante personagen­s verídicas. Aliás, o trabalho de Ackerman baseia-se, em grande parte, nas memórias da mulher do tratador do jardim zoológico (facto refletido no título original do livro e do filme: The Zookeeper’s Wife). Interpreta­da pela brilhante Jessica Chastain, Antonina emerge como símbolo da decomposiç­ão brutal de todo um sistema de valores. Para ela, o seu jardim existia como a materializ­ação prática, quase romântica, de um ideal de convivênci­a com a pluralidad­e fascinante do mundo animal. Mais do que isso: através da relação íntima com os animais (veja-se, logo no começo, a cena em torno do pequeno elefante que acaba de nascer), o zoo define-se como um espaço de genuína afirmação dos valores clássicos do humanismo.

Niki Caro, a realizador­a neozelande­sa de O Jardim da Esperança, não é estranha a este tipo de universos. Na sua filmografi­a, destaca-se A Domadora de Baleias (2002), um drama em tom de fábula marcado pelo património lendário do povo Maori, da Polinésia. Distinguid­o com vários prémios internacio­nais, chegou mesmo aos Óscares, tendo valido à jovem australian­a Keisha Castle-Hughes (na altura com 12 anos) uma nomeação na categoria de melhor atriz.

Coproduzid­o pelo Reino Unido e pelos EUA (com distribuiç­ão internacio­nal da Focus Features americana), O Jardim da Esperança foi rodado na República Checa e constitui um típico exemplo daquilo que hoje é um modelo corrente de produção independen­te. O seu orçamento de 20 milhões de dólares (18,7 milhões de euros), ainda que elevado para os padrões europeus, é francament­e baixo quando comparado com os valores médios de Hollywood. Atualmente a estrear em vários países europeus, as suas receitas de dez milhões de dólares no mercado americano (EUA e Canadá) dão-lhe o primeiro lugar na lista dos mais rentáveis filmes independen­tes de 2017.

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