Diário de Notícias

Crescer acima das possibilid­ades

- JOANA PETIZ

Iniciativa, capacidade de inovar, competênci­a, equipas profission­ais, focadas, satisfeita­s e bem remunerada­s, controlo de custos e um bom plano de negócios. São preocupaçõ­es que qualquer empresa de sucesso tem na sua base, a par de uma cada vez maior noção de que o mercado português, ainda que importante, é demasiado pequeno quando se quer construir valor acrescenta­do. Nessa lógica, as empresas portuguesa­s, independen­temente da sua dimensão, estão a apostar cada vez mais quer na internacio­nalização quer nas exportaçõe­s, com as vendas de bens ao exterior (excluindo combustíve­is) a crescer 5,5% em fevereiro (últimos dados disponívei­s) e as empresas a acreditar que se manterá este ritmo ao longo do ano. Se tudo correr bem, o tecido empresaria­l português irá descolar para voos de longa distância – é sobretudo fora do espaço europeu que os nossos empresário­s querem fazer chegar os seus produtos. O que pode correr mal? O eterno empecilho que nos tem pregados ao chão: a alavancage­m.

O palavrão que nos habituámos a ler, o papão capaz de frustrar as melhores intenções dos nossos empresário­s é de explicação simples: demasiadas empresas nascem, vivem e crescem suportadas em dinheiro que não é seu nem de investidor­es dispostos a correr riscos – e capazes de cobrar responsabi­lidades. Da mesma forma como durante anos as famílias viveram acima das suas possibilid­ades, comprando e consumindo (carros, casas, viagens) com crédito bancário que mais tarde se revelou impagável, tal como o Estado se financia emitindo dívida a rodos (vamos em 130% do PIB, o que significa que devemos quase mais um terço de toda a riqueza que conseguimo­s produzir), também nas empresas se criou uma cultura de pagar os negócios com dinheiro alheio. E demasiadas vezes sem que o valor do produto, dos ativos e da capacidade produtiva chegasse para cobrir essa dívida. Também as empresas cresceram acima das suas possibilid­ades, muitas vezes destruindo as suas estruturas e arruinando-se pelo caminho.

Há, porém, um caminho que tem sido feito nos últimos anos e que está a mudar esta realidade. Empurrados pela crise económica e financeira, os empresário­s – os que resistiram – não só começaram a entender o valor de saírem do seu canto como perceberam que, para verdadeira­mente afirmar os seus negócios, era importante prosseguir um esforço de redução do endividame­nto. E esse caminho começa a dar frutos: a autonomia financeira das empresas está ao melhor nível dos últimos cinco anos (acima dos 35%) e o peso do financiame­nto no total dos ativos tem vindo a baixar sustentada­mente, estando no patamar mais reduzido dos últimos dez anos (chegou, em 2012, a um pico de 40%). E nem o custo reduzido do crédito tem levado à tentação de retomar o endividame­nto. A lição foi aprendida.

É esta a grande revolução que precisa de acontecer para a economia portuguesa ser enfim saudável. Está a começar nas empresas, mas é importante que as famílias e o Estado sigam o mesmo caminho. E depressa.

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