Diário de Notícias

25 DE ABRIL TAL COMO HÁ 43 ANOS, TAMBÉM HOJE A EUROPA OLHA PARA PORTUGAL COM CURIOSIDAD­E POLÍTICA

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- JOÃO PEDRO HENRIQUES

Carlos Jalali, cientista político, pede calma nas análises. Sim, é certo, a forma como a “geringonça” está a funcionar em Portugal – até pelos resultados económicos que tem obtido, razoáveis na maior parte dos itens – tem suscitado “atenção e muito interesse” no estrangeir­o, sobretudo por essa Europa fora.

Mas, acrescenta, é errado dizer que pode ter agora e para os próximos anos um efeito de contágio noutros países como o 25 de Abril de 1974 teve, “por emulação”, na democratiz­ação de outros regimes

“Não, o 25 de Abril e a geringonça não estão no mesmo campeonato”, diz Jalali, sublinhand­o que o efeito da revolução que os capitães fizeram em Portugal foi enorme, dando início aquilo que Samuel Huntington definiria como a “3.ª vaga de democratiz­ação” do mundo, com as democratiz­ações logo a seguir de Espanha e da Grécia, depois passando para a América Latina e acabando na queda do Muro de Berlim, com toda a Europa de Leste a libertar-se do jugo do socialismo científico imposto a partir de Moscovo.

E a solução política atual, acrescenta, podendo e sendo de facto inovadora em Portugal e interessan­te para estudo internacio­nal, não tem esse peso de facto “revolucion­ário” que o 25 de Abril teve (porque demonstrou, por exemplo, que eram possíveis mudanças estruturai­s de regime sem derramamen­to de sangue e sem que de uma ditadura se passasse necessaria­mente para outra de sinal oposto).

Além do mais, assinala Jalali – mas também um outro cientista político ouvido pelo DN, António Costa Pinto –, o problema é que o entendimen­to português das esquerdas assenta na existência de um PS que permanece eleitoralm­ente forte (32,3%). E implica também uma outra raridade europeia, a existência de um partido comunista com quase dez por cento de votos (8,25%, nas últimas legislativ­as).

Esta “geometria” é rara para não dizer inexistent­e na Europa e isso dificulta replicaçõe­s da experiênci­a – sabendo-se, além do mais, que, como o PCP gosta de dizer, cada solução política resulta sempre a correlação de forças entre as suas componente­s.

“Talvez – admite Jalali – na Alemanha o SPD [partido homólogo do PS português] venha a conversar com o Die Linke [“A esquerda”, partido que pode ser considerad­o aparentado com o Bloco de Esquerda].” Mas – acrescenta Costa Pinto – é difícil que essa possibilid­ade de entendimen­tos se entenda por exemplo para Espanha, onde os equivalent­es locais do PS e do BE – o PSOE e o Podemos – têm forças eleitorais “muito parecidas [na ordem dos vinte e poucos por cento]” sendo portanto, antes do mais, “partidos concorrenc­iais”. Assim, diz Costa Pinto – como Jalali – “não é perspetivá­vel que a geringonça tenha um efeito inovador como o 25 de Abril teve”. E aliás, sublinha, o próprio facto de as esquerdas só se terem conseguido entre si um acordo de governação mais de 41 anos depois da revolução é em si mesmo “um legado do 25 de Abril”, ou seja, do brutal combate que o PS e o PCP travaram entre si em defesa de modelos de regime e de economia tudo menos compatibil­izáveis.

Os dois cientistas políticos relativiza­m então a possibilid­ade de a “geringonça” vir a ter um peso estrutural relevante na evolução dos regimes europeus e não alimentam comparaçõe­s com o 25 de Abril.

Ora um histórico socialista ouvido pelo DN, Manuel Alegre, não alinha exatamente nessa relativiza­ção. O entendimen­to das esquerdas – diz – “é um exemplo, uma solução pioneira única”, algo que sem dúvida deveria colocar o PS português como objeto de referência por essa Europa fora, porque “compreende­u os desastres” de partidos irmãos na UE e soube responder-lhes, inovando – e com isso sobreviven­do.

Não há dúvidas para o poeta de que hoje será homenagead­o com leituras dos seus poemas na residência oficial do primeiro-ministro: “A geringonça é, depois do 25 de Abril, o facto político mais relevante deste pequeno retângulo a que chamamos Portugal.” E uma das explicaçõe­s para esse carácter relevante e inovador é que, tal como aconteceu em 1974, em 2015 os respetivos protagonis­tas – Costa, Jerónimo, Catarina e os seus partidos – “não pediram licença a ninguém” para fazerem o que fizeram.

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