BELA VISTA ARTE URBANA XXL DÁ COR E VIDA A BAIRRO DE SETÚBAL
Projeto da ACUPARTE ajuda bairro a perder estigma de ser uma zona de conflitos. Moradores entusiasmados com esta nova vida
“Quanto mais bonito estiver o bairro, mais respeito as pessoas vão ter pela via pública e mais visitantes aqui virão”
Maria Laura e João Alberto Costa sobem a persiana para abrirem a janela. Encaminham-se depois para a Alameda das Palmeiras, a principal avenida do bairro da Bela Vista, em Setúbal, e exibem sorrisos largos quando apontam para a parede da própria casa. É ali que está desenhado um enorme pastor-alemão a ser içado por um balão de ar quente com a imagem de um gato que pisca o olho. “Tem vindo aqui tanta gente fotografar isto. Estamos tão orgulhosos da nossa casa. Moramos cá há 28 anos, mas agora passou a valer a pena viver aqui”, desabafa João.
O bairro juntou má fama durante décadas, chegando a ser palco de graves conflitos entre alguns moradores e a PSP. Mas hoje a residência deste casal está entre as nove empenas do bairro da Bela Vista que dão corpo a uma autêntica galeria de arte a céu aberto, por onde se distribuem desenhos em tamanho XXL. As paredes estão agora pintadas com criações inéditas de graffiters
portugueses e estrangeiros, com um papel bem vincado na integração social de quem vive por aqui. Da menina que veste o traje de super-heroína à sereia que segura o pescador. Também por lá anda o célebre Pinóquio.
E os próprios moradores já falam em mudanças à boleia do projeto concebido no Cara ou Coroa – Street Art Festival, promovido pela Acuparte – Associação Cultural. “Estamos surpreendidos com o impacto dos desenhos. Passámos a ter aqui pessoas que nem conheciam o bairro, que param os carros, tiram fotos e querem falar connosco sobre as pinturas”, revela João Alberto Costa.
Para este jardineiro aposentado da autarquia sadina, os “medos de outros tempos” têm sido ultrapassados. “O bairro sempre teve má fama, mas nos últimos anos tem melhorado, e isto está ser o grande passo para unir os vizinhos, que começam a ter mais civismo e respeito entre eles”, explica este habitante que vai mantendo junto ao prédio um patamar repleto de plantas e flores, vedado apenas por um simples gradeamento. “Está impecável. É a prova de que o vandalismo desapareceu”, justifica.
Francisco Rosário, que mora há 14 anos no bairro e há 43 em Setúbal, admite que estava longe de imaginar o impacto que os graffiti iriam alcançar em “meia dúzia de dias”, atraindo tantos visitantes à Bela Vista, mas já tinha percebido que iriam contribuir para ajudar “a organizar melhor a vizinhança”.
Ou seja, explica, “as pessoas passaram a falar umas com as ou- tras. Nem sempre assim foi, porque havia muita desconfiança e cada um vivia para si. Hoje há a necessidade de conservar o que aqui está feito e temos de zelar pelo que temos conquistado com esforço. Isso só se consegue se colaborarem todos”, reforça.
O entusiasmo em torno da arte urbana que passou a colorir as casas amarelas e cor-de-rosa levou Rui Monteiro a vestir a capa de operador de câmara para fazer a cobertura em vídeo do acontecimento que durante quatro dias contribuiu para ajudar a mudar a face das casas mobilizando inspiração e a criatividade dos artistas, que, com recurso a diferentes estilos e técnicas, resultaram em contornos e pinturas que oscilam entre o real, o abstrato, o imaginário e a fantasia. Arte urbana, afinal, pintada a rolo ou com latas de spray. Pelos murais há rostos de pessoas mais e menos conhecidas, de crianças a adultos. Faz a ponte entre o presente e o futuro.
“Tenho as pinturas filmadas, a preparação dos graffiters, a inauguração, os depoimentos das pessoas. Unimos todos à volta deste projeto. O que se conseguiu para o bairro em termos sociais foi muito importante”, testemunha Rui Monteiro.
Com a experiência de quem mora há 35 anos na Bela Vista, acrescenta que “tudo vale a pena para acabar com a má fama do bairro”, e não tem dúvidas de que o objetivo será alcançado. “Vamos conseguir, porque já se anda por cá tranquilamente, e quanto mais bonito estiver o bairro, mais respeito as pessoas vão ter pela via
pública e mais visitantes aqui virão”, vaticina.
Nem de propósito. Dois alunos do Instituto Politécnico de Setúbal perguntam a Rui Monteiro se podem parar o carro para fazer umas perguntas sobre os graffiti para a revista da escola . “Claro que pode. Perguntem o quiserem”, responde a Tiago Correia e Sara Estêvão, do curso de Comunicação Social, “impressionados” pelo que os seus olhos veem. Querem saber como surgiu a ideia, como foi possível juntar a população, o que vai ser feito a partir daqui nesta zona de Setúbal.
É o vereador Carlos Rabaçal quem responde a esta última questão para o DN, assumindo que o cunho de integração social que marca o projeto, a par da requalificação que permite imprimir à Bela Vista, vai alargar a galeria de arte ao ar livre para o interior do bairro. Os moradores já sabem o que querem depois de terem visitado a experiência na Quinta do Mocho, em Loures. “Estão muito entusiasmados para prosseguirem a requalificação”, atesta o autarca, assumindo o interesse da autarquia nesta aposta, estando preparada para continuar a apoiar a intervenção.
“Isto não é apenas colocar uma flor para tornar o bairro mais bonito”, refere Carlos Rabaçal, considerando antes tratar-se de uma “ação consciente para garantir que neste espaço há arte pública e há uma valorização do bairro pela dignificação do trabalho dos moradores, pela sua organização e pela capacidade de definirem aquilo que gostam”, resume.