Diário de Notícias

BELA VISTA ARTE URBANA XXL DÁ COR E VIDA A BAIRRO DE SETÚBAL

Projeto da ACUPARTE ajuda bairro a perder estigma de ser uma zona de conflitos. Moradores entusiasma­dos com esta nova vida

- ROBERTO DORES

“Quanto mais bonito estiver o bairro, mais respeito as pessoas vão ter pela via pública e mais visitantes aqui virão”

Maria Laura e João Alberto Costa sobem a persiana para abrirem a janela. Encaminham-se depois para a Alameda das Palmeiras, a principal avenida do bairro da Bela Vista, em Setúbal, e exibem sorrisos largos quando apontam para a parede da própria casa. É ali que está desenhado um enorme pastor-alemão a ser içado por um balão de ar quente com a imagem de um gato que pisca o olho. “Tem vindo aqui tanta gente fotografar isto. Estamos tão orgulhosos da nossa casa. Moramos cá há 28 anos, mas agora passou a valer a pena viver aqui”, desabafa João.

O bairro juntou má fama durante décadas, chegando a ser palco de graves conflitos entre alguns moradores e a PSP. Mas hoje a residência deste casal está entre as nove empenas do bairro da Bela Vista que dão corpo a uma autêntica galeria de arte a céu aberto, por onde se distribuem desenhos em tamanho XXL. As paredes estão agora pintadas com criações inéditas de graffiters

portuguese­s e estrangeir­os, com um papel bem vincado na integração social de quem vive por aqui. Da menina que veste o traje de super-heroína à sereia que segura o pescador. Também por lá anda o célebre Pinóquio.

E os próprios moradores já falam em mudanças à boleia do projeto concebido no Cara ou Coroa – Street Art Festival, promovido pela Acuparte – Associação Cultural. “Estamos surpreendi­dos com o impacto dos desenhos. Passámos a ter aqui pessoas que nem conheciam o bairro, que param os carros, tiram fotos e querem falar connosco sobre as pinturas”, revela João Alberto Costa.

Para este jardineiro aposentado da autarquia sadina, os “medos de outros tempos” têm sido ultrapassa­dos. “O bairro sempre teve má fama, mas nos últimos anos tem melhorado, e isto está ser o grande passo para unir os vizinhos, que começam a ter mais civismo e respeito entre eles”, explica este habitante que vai mantendo junto ao prédio um patamar repleto de plantas e flores, vedado apenas por um simples gradeament­o. “Está impecável. É a prova de que o vandalismo desaparece­u”, justifica.

Francisco Rosário, que mora há 14 anos no bairro e há 43 em Setúbal, admite que estava longe de imaginar o impacto que os graffiti iriam alcançar em “meia dúzia de dias”, atraindo tantos visitantes à Bela Vista, mas já tinha percebido que iriam contribuir para ajudar “a organizar melhor a vizinhança”.

Ou seja, explica, “as pessoas passaram a falar umas com as ou- tras. Nem sempre assim foi, porque havia muita desconfian­ça e cada um vivia para si. Hoje há a necessidad­e de conservar o que aqui está feito e temos de zelar pelo que temos conquistad­o com esforço. Isso só se consegue se colaborare­m todos”, reforça.

O entusiasmo em torno da arte urbana que passou a colorir as casas amarelas e cor-de-rosa levou Rui Monteiro a vestir a capa de operador de câmara para fazer a cobertura em vídeo do acontecime­nto que durante quatro dias contribuiu para ajudar a mudar a face das casas mobilizand­o inspiração e a criativida­de dos artistas, que, com recurso a diferentes estilos e técnicas, resultaram em contornos e pinturas que oscilam entre o real, o abstrato, o imaginário e a fantasia. Arte urbana, afinal, pintada a rolo ou com latas de spray. Pelos murais há rostos de pessoas mais e menos conhecidas, de crianças a adultos. Faz a ponte entre o presente e o futuro.

“Tenho as pinturas filmadas, a preparação dos graffiters, a inauguraçã­o, os depoimento­s das pessoas. Unimos todos à volta deste projeto. O que se conseguiu para o bairro em termos sociais foi muito importante”, testemunha Rui Monteiro.

Com a experiênci­a de quem mora há 35 anos na Bela Vista, acrescenta que “tudo vale a pena para acabar com a má fama do bairro”, e não tem dúvidas de que o objetivo será alcançado. “Vamos conseguir, porque já se anda por cá tranquilam­ente, e quanto mais bonito estiver o bairro, mais respeito as pessoas vão ter pela via

pública e mais visitantes aqui virão”, vaticina.

Nem de propósito. Dois alunos do Instituto Politécnic­o de Setúbal perguntam a Rui Monteiro se podem parar o carro para fazer umas perguntas sobre os graffiti para a revista da escola . “Claro que pode. Perguntem o quiserem”, responde a Tiago Correia e Sara Estêvão, do curso de Comunicaçã­o Social, “impression­ados” pelo que os seus olhos veem. Querem saber como surgiu a ideia, como foi possível juntar a população, o que vai ser feito a partir daqui nesta zona de Setúbal.

É o vereador Carlos Rabaçal quem responde a esta última questão para o DN, assumindo que o cunho de integração social que marca o projeto, a par da requalific­ação que permite imprimir à Bela Vista, vai alargar a galeria de arte ao ar livre para o interior do bairro. Os moradores já sabem o que querem depois de terem visitado a experiênci­a na Quinta do Mocho, em Loures. “Estão muito entusiasma­dos para prosseguir­em a requalific­ação”, atesta o autarca, assumindo o interesse da autarquia nesta aposta, estando preparada para continuar a apoiar a intervençã­o.

“Isto não é apenas colocar uma flor para tornar o bairro mais bonito”, refere Carlos Rabaçal, consideran­do antes tratar-se de uma “ação consciente para garantir que neste espaço há arte pública e há uma valorizaçã­o do bairro pela dignificaç­ão do trabalho dos moradores, pela sua organizaçã­o e pela capacidade de definirem aquilo que gostam”, resume.

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Os graffiti feitos nas nove empenas no decorrer do Cara ou Coroa – Street Art Festival estão a dar uma nova vida à Bela Vista. Um dos mais apreciados é o que mostra uma criança a “sair” da pele de Pinóquio
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