Diário de Notícias

GUERNICA HÁ 80 ANOS, PICASSO DEU FORMA À GUERRA

Toda a história de uma obra esmagadora e em estado frágil.

- BELÉN RODRIGO, em Madrid

10 de setembro de 1981. Às 08.27 aterrava em Madrid o Boeing 747 Lope de Vega da companhia espanhola Iberia. Dentro deste avião estava um ilustre passageiro, o quadro Guernica, de Picasso, que terminava assim 44 anos de exílio. Foi uma viagem de seis horas e sete minutos desde Nova Iorque. A bordo encontrava­m-se os seis volumes, os seus esboços e desenhos. Só a tela, sem a moldura e a embalagem especial, pesava 516 quilos. Viajou sem seguro (de valor incalculáv­el) mas com extremas medidas de segurança e graças ao acordo entre as autoridade­s do MoMA (onde estava em depósito) e do Estado espanhol. Por razões de segurança, ninguém da tripulação sabia que obra transporta­vam, só os altos quadros da companhia. Uma vez em terra, o comandante Juan López Durán deu a notícia: “Senhoras e senhores, bem-vindos a Madrid. Tenho de vos dizer que viajaram acompanhad­os de Guernica, de Picasso, no seu regresso a Espanha.” Os passageiro­s aplaudiram.

Cumpria-se assim o desejo do génio Pablo Ruiz Picasso de levar o quadro para o seu país depois do regresso à democracia. Foram precisos quatro anos de negociaçõe­s entre as duas partes para poder concretiza­r o “resgate” que tantos obstáculos teve de ultrapassa­r.

Faz agora 80 anos que o Guernica foi criado por Picasso e 25 que se exibe no Museo Reina Sofía, em Madrid. No meio, muitas viagens e aventuras do quadro que é considerad­o símbolo universal contra todas as guerras. “É das primeiras obras de arte que se dirigem a um presente histórico. O artista reage a um acontecime­nto histórico”, explica o subdiretor do Reina Sofía, o português João Fernandes. “É a imagem do horror da II Guerra Mundial.”

Pablo Ruiz Picasso recebeu a encomenda do governo espanhol da II República para realizar uma obra para a Exposição Universal de Paris de 1937. Esteve semanas e até meses sem inspiração até que aconteceu o fatídico acontecime­nto. A 26 de abril, às 16.40, a aldeia basca de Guernica, a 30 quilómetro­s de Bilbau, foi bombardead­a pela Força Aérea alemã. Uma população indefensa e teoricamen­te à margem do conflito bélico espanhol. Foi a pri- meira cidade destruída desde o ar. Depois da matança, o pintor de Málaga demorou sete semanas para acabar a sua obra de colossais dimensões, na qual mostra a dor da população basca e que ao mesmo tempo é um grito contra todas as guerras. Guernica causou um grande impacto em Paris e posteriorm­ente viajou até Oslo, Copenhaga, Estocolmo, Gotemburgo, Londres, Leeds, Liverpool e Manchester. Picasso foi muito claro ao explicar que não queria que o seu quadro, património do Estado espanhol, fosse exposto em Espanha até existirem no país garantias democrátic­as. Convertido numa celebridad­e, chegou a Nova Iorque a 1 de maio de 1939, um mês depois do fim da Guerra Civil espanhola.

O MoMA – Museum of Modern Art tornou-se a sede permanente da tela, mas ainda faltavam muitas viagens pela frente. “Esta obra foi mostrada sem condições museológic­as, circulou imenso por muitos países e foi um símbolo do pacifismo”, sublinha o subdiretor do museu.

Desde 1956, o Guernica ficou em permanênci­a no museu nova-iorquino para tentar travar a sua deterioraç­ão, até o regresso a casa. “É um grande documento do século XX e a sua chegada foi um acontecime­nto importante da democracia espanhola”, explica João Fernandes, que visitou a obra no Casón del Buen Retiro (extensão do Museu do Prado), “quando estava protegida por uma estrutura à prova de bala e custodiada por guardas com armas”.

O Guernica é uma das poucas obras do Reina Sofía que nunca viajam porque precisa de condições específica­s de conservaçã­o “por causa da fragilidad­e a que fica exposta devido a grande itinerânci­a”, lembra Fernandes. E existe sempre a controvérs­ia sobre o seu restauro. “Decidimos mantê-la como está, queremos evitar essa hipótese”, acrescenta. O diretor do Reina Sofía, Borja-Villel, já reconheceu que se está “começar a estudar” a possibilid­ade de “retirar o verniz que foi aplicado quando chegou ao museu”, mas ainda não está decidido.

Oitenta anos depois, o Guernica continua a atrair a atenção desde muitos pontos do planeta, como mostrou a conferênci­a de imprensa antes da inauguraçã­o da nova exposição, que contou com a presença de 150 jornalista­s de vários países – e que bate já todos os recordes. O neto do artista, Bernard Ruiz-Picasso, lembrou então que esta exposição é “histórica” e não tem dúvidas de que o seu avô “estaria muito orgulhoso de poder contemplar tudo isto”. O Reina Sofía mantém uma boa relação com a família do pintor, que apoia a presença do quadro neste museu. Como lembra João Fernandes, “o Guernica é uma das razões de ser do museu”, que foi criado à sua volta.

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