Diário de Notícias

Clima de tréguas internas e reação ao despertar dos populismos

A emergência eleitoral de fenómenos perigosos no exterior levou a tréguas internas. “Populismo” foi a palavra mais ouvida

- JOÃO PEDRO HENRIQUES

O populismo e as respostas ao populismo – a transparên­cia no exercício da política, o combate à corrupção, um “nacionalis­mo patriótico” por oposição a um “patriotism­o egocêntric­o” (expressões do Presidente da República) .

Quase sem referência­s explícitas à origens – as eleições recentes nos EUA, na Holanda e em França, bem como o brexit do Reino Unido –, estes temas marcaram ontem parte importante da sessão solene parlamenta­r de celebração dos 43 anos de Abril.

A oposição do PSD (com uma bancada em que abundavam as ausências) e do CDS poupou-se nos ataques à governação (fica para hoje à tarde, dia de mais um debate quinzenal com o primeiro-ministro). Teresa Leal Coelho, a oradora do PSD, insistiu na defesa da sua bandeira de sempre, a criminaliz­ação do enriquecim­ento ilícito; Isabel Galriça Neto, do CDS, reafirmou o compromiss­o do seu partido com o Estado social . Foi também a primeira voz a ouvir-se na sessão relembrand­o a memória de Mário Soares (este foi o primeiro 25 de Abril depois da morte do ex-PR e fundador do Partido Socialista).

À esquerda – embora em tons diversos –, o bombo da festa foi a Europa. Críticas, críticas e mais críticas. O socialista Alberto Martins, há muito ausente do púlpito parlamenta­r – e celebrando ontem o seu 72.º aniversári­o – quase ultrapasso­u pela esquerda o que a esquerda disse.

“A União Europeia – disse – não pode continuar a transforma­r um projeto europeu de solidaried­ade entre Estado, povos e cidadãos no seu contrário, transferin­do os imperativo­s dos mercados e das grandes corporaçõe­s e grupos financeiro­s aos orçamentos e grupos financeiro­s.”

Além disso, “as políticas austeritár­ias, de estreita disciplina orçamental, provocaram, como entre nós, recessão e degradação social”, e os “consequent­es sacrifício­s atingiram sobretudo os mais pobres e excluídos e geraram uma insidiosa situação de incerteza, desesperan­ça e chocantes desigualda­des sociais”. Por isso, “a saída da crise económica, social e ecológica exige uma UE mais democrátic­a, transparen­tes” e “subordinan­do o poder económico ao poder político”.

Cumprindo o prometido, Marcelo Rebelo de Sousa evitou questões da atualidade. Preferiu, antes, sublinhar princípios gerais: “Importa que todas as estruturas do poder político, do topo do Estado à administra­ção pública e, naturalmen­te, aos tribunais, entendam que devem ser muito mais transparen­tes, rápidas e eficazes na resposta aos desafios e apelos deste tempo, revendo-se, reformando­se, ajustando-se.” Porque “os chamados populismos alimentam-se das deficiênci­as, lentidões, incompetên­cias e irresponsa­bilidades do poder político, ou da sua confusão ou compadrio com o poder económico e social”. Voltou também a exigir que toda a aposta governamen­tal se centre no cresciment­o: “Os dois anos e meio que faltam para o termo da legislatur­a parlamenta­r terão de ser de maior criação de riqueza e melhor distribuiç­ão.”

Ferro Rodrigues, pelo seu lado, assumiu explicitam­ente as referência­s a Marine Le Pen: “Veja-se por exemplo a ameaça da extrema-direita, que continua visível em França.” E defendeu que “não basta a este respeito falar de populismo”, porque “é um conceito que normaliza o que não é normal em democracia”. “Isto não é nenhum populismo”, é sim “a velha extrema-direita autoritári­a , nacionalis­ta e xenófoba”. E há que não esquecer Mitterrand: “O nacionalis­mo é a guerra.” Para consumo interno, o discurso do presidente da AR foi de satisfação: o “novo tempo político” da maioria de esquerda fez melhorar a imagem pública da Assembleia da República.

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Marcelo Rebelo de Sousa presidiu à cerimónia e, cumprindo o prometido, evitou questões da atualidade política

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